domingo, 18 de setembro de 2011

O Retrato

Quando eu ia à casa da minha vó,

Eu sempre tomava sopinha de feijão.

Brincava com o tatu-bola,

E voltava pra perto dela, ver televisão.


Ela tinha uma máquina de costura.

Tecia de dedicação a minha blusa.

Os fios entrelaçavam com atenção,

E no final ela dava um nó de carinho.


Ensinou-me o pai nosso,

E me disse para rezar em seguida à Virgem senhora.

Ave Maria.

Cheia de graça, vovó adormece.

domingo, 29 de maio de 2011

Há pouco tempo, revelei ao meu pai que a pequena Alícia nunca sabia quando acreditar no que ele dizia. Ele me distraia pra roubar comida do meu prato e fazia chantagem para eu tomar só mais 10 colheres de uma sopa horrível. E no final era tudo mentira, porque eu sempre tomava umas 20...

Quando o telefone tocava em casa, ouvíamos ele falando com uma amiguinha minha: “Ah, é a Rafaela, aquela que come pão com mortadela?”. Se a Rafaela gostava de mortadela eu não me lembro, mas do meu pai falando com ela eu não me esqueço.

Uma vez eu, Thalles e Rodrigo, armamos o ringue em casa. Eu ficava de fora torcendo pro Rodrigo perder e o Thalles tomava o couro. Quando papai chegou do trabalho, ele foi convocado para defender os pequenos! Pulávamos os dois fora dos cordões que delimitavam o ringue querendo ver o Rodrigo apanhar. Nosso herói salvou nossas peles!

Sempre que arrumávamos um cãozinho novo para a casa, papai era o primeiro a sugerir o nome: Pintoso foi o nome que ele nunca desistiu. Mas por que Pintoso? Ele ria e apontava para o cachorro com olhar zombeteiro. O nome, graças ao bom senso, nunca foi usado.

E às vezes, ele ficava lá ao lado do radinho dele, ouvindo o Barry Manilow cantar. Se eu me juntasse a ele, ia descobrir que o Barry Manilow era judeu, papai ia me comprovar com a foto do nariz adunco dele na capa do cd. E depois de umas risadas ia me contar que a música que tocava fez sucesso em 19... e sei lá quanto e, lógico, ia lembrar da primeira vez que a ouviu.

O horário do jornal era sagrado. Tínhamos que prestar atenção e nos intervalos podíamos discutir e fazer perguntas. Aí, ele ficava sério e até soltava o chavão quando apareciam algumas reportagens: “É por isto que este país nunca vai pra frente”. Eu me divertia quando ele falava isso...

Ele faz feira todo domingo. Acorda cedo todos os dias e tem horário certo pra dormir. Mas não perde o privilégio de tirar uma sonequinha depois do almoço. Não come carne vermelha, não fuma, não bebe e critica veementemente seus filhos que ficam “bebendo estas drogas aí”. Pois é, pai, são as más companhias.

Hoje eu já não fico perdida quando falo com ele. Sei que ele é um menino zombeteiro por dentro e não sou mais tão tonta de deixar ele roubar comida do meu prato. E sei também que, às vezes, ele fala sério e me faz sempre aprender algo novo. É o homem-menino que eu admiro quando me dá conselhos e que me ensinou que a vida é cheia de sorrisos.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Metade de mim.

À direita vejo as marcas roxas no braço, os dedos finos e alongados. Magros e sem força, eles caem no lençol. Observo a veia saltada e os sinais pintando a coloração na pele. Os pelos somem por este lado do meu corpo caído. E o cabelo ralo, ralo me deixa feia. Apodreço diante do espelho.

À esqueda é o nada que vive em mim. A hemorragia de sensações. O encéfalo dos sentidos ausente. O tato em antisinapse. Uma velha caolha.

Virei a direita, queria a ruptura completa com metade de mim.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Último Beijo

E, da carência, nasceu o desejo. Que durou. Uma eternidade no meu anseio. Ressoando em gritos, arfando em paixão.

Restou-me a vontade. E exausta com desesperança, desfaleci.

sexta-feira, 18 de março de 2011

O sono de Pedro

O nome dele é Pedro. Ele acaba de nascer. Vai enfrentar diversas dificuldades na vida. Vai descobrir que o colo da mãe é só o colo da mãe. Vai chegar assustado da escolinha. Vai ficar sem entender porque alguns amiguinhos gostam de beliscar ele. E porque outros gostam de ofendê-lo com apelidos maldosos. Vai odiar as aulas de inglês. Vai começar a chamar a mãe pelo nome e o pai de “Velho”. Vai se apaixonar e não ser correspondido. Vai deixar garotas apaixonadas e não querer nada sério. Vai começar a beber. Ter o primeiro porre. Vai brigar com a mãe e com o pai também. Vai andar de bicicleta até tirar a carteira de motorista. Vai passar na faculdade e não ter certeza se quer seguir aquela carreira. Vai terminar a faculdade com medo de assumir sozinho a sua vida. E vai ter medo. Medo de não alcançar seus objetivos. Medo de sofrer. Medo de ter medo. Medo de não ser amado. Medo da solidão. Medo da multidão. Medo de não agradar quem ama. Medo de fazer o mau. Vai superar alguns problemas, reprimir outros. Mas isto ele ainda não sabe, só está quietinho aproveitando seu primeiro sono no mundo.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Cordão umbilical

O laço parental une
Ata o corpo
Dependência física do outro

De repente resseca em desacordo
Apodrecido, cai.
É lixo, pesa na solidão

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Quando eu nasci minha mãe disse que eu parecia um rato
Aí, eu cresci e descobri que tinha um dente aprisionado no céu da minha boca
Eu queria arrancar ele de lá pra completar o meu riso
Percebi então que nem todo rato sorri com os dentes

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Deixa eu me tocar com a sua mão
Eu vou destoar no descaso da sua pele,
enquanto os pêlos se arrepiam de ausência

Vibra, sentido, em desejo
Seu toque toa no invisível ensejo
Limito num suspiro o anseio

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Os olhos refletem escuro,

o brilho inexpressivo da falta,

desviam sentidos em nada

cerram em medo.


Traduzidos em vazio

a linguagem se restringe,

basta.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Em um almoço como outro qualquer, um grupo peculiar se encontra sentado na mesa. Os sete integrantes conversam animadamente, cheio de piadinhas e graças. A sensação de leveza no ambiente é interrompida pelo inesperado, quando a papo toma um tom mais sério. Alguém levanta um questionamento mais filosófico e por instantes todos ficam introspectivos: “Só se conhece a si mesmo através dos outros.” A frase ecoa pelos pensamentos, que vão para longe da rotina e ganham uma nova figura. As idéias preenchem de um silencioso bem-estar o momento e paira uma sensação de esclarecimento ao esclarecer o inegável.

Eles começam a recordar as pessoas que realmente abalaram as estruturas emocionais e ajudaram a construir o que existe dentro de cada um. Um poeta, uma frase da mãe, a ex-namorada e as expectativas com a filha para nascer. Elas ficaram presas, enraizadas no mar de emoções que navega-se em si mesmo.

Uma das garotas entrou no barco, levantou a âncora e flutuou pelas portas dos relacionamentos passados. A cada maçaneta que girava se deparava com o rodapé da ilusão sustentando a presença daquele lugar. As figuras que vagavam ali dentro estavam perdidas na falta, buscando no ar o sentido de existir. Nada. Nunca houve nada ali dentro. A tranca que havia depositado em cada passo torto, impedia de vagar pelo profundo mundo das doces ilusões novamente.

Voltando para a mesa, riu da piada que o palhaço de plantão fez para descontrair o clima. É, amar de verdade não tinha nada a ver com aquilo. Achou melhor deixar as portas da ilusão fechadas e sentir o riso contagiar cada instante.