domingo, 29 de maio de 2011

Há pouco tempo, revelei ao meu pai que a pequena Alícia nunca sabia quando acreditar no que ele dizia. Ele me distraia pra roubar comida do meu prato e fazia chantagem para eu tomar só mais 10 colheres de uma sopa horrível. E no final era tudo mentira, porque eu sempre tomava umas 20...

Quando o telefone tocava em casa, ouvíamos ele falando com uma amiguinha minha: “Ah, é a Rafaela, aquela que come pão com mortadela?”. Se a Rafaela gostava de mortadela eu não me lembro, mas do meu pai falando com ela eu não me esqueço.

Uma vez eu, Thalles e Rodrigo, armamos o ringue em casa. Eu ficava de fora torcendo pro Rodrigo perder e o Thalles tomava o couro. Quando papai chegou do trabalho, ele foi convocado para defender os pequenos! Pulávamos os dois fora dos cordões que delimitavam o ringue querendo ver o Rodrigo apanhar. Nosso herói salvou nossas peles!

Sempre que arrumávamos um cãozinho novo para a casa, papai era o primeiro a sugerir o nome: Pintoso foi o nome que ele nunca desistiu. Mas por que Pintoso? Ele ria e apontava para o cachorro com olhar zombeteiro. O nome, graças ao bom senso, nunca foi usado.

E às vezes, ele ficava lá ao lado do radinho dele, ouvindo o Barry Manilow cantar. Se eu me juntasse a ele, ia descobrir que o Barry Manilow era judeu, papai ia me comprovar com a foto do nariz adunco dele na capa do cd. E depois de umas risadas ia me contar que a música que tocava fez sucesso em 19... e sei lá quanto e, lógico, ia lembrar da primeira vez que a ouviu.

O horário do jornal era sagrado. Tínhamos que prestar atenção e nos intervalos podíamos discutir e fazer perguntas. Aí, ele ficava sério e até soltava o chavão quando apareciam algumas reportagens: “É por isto que este país nunca vai pra frente”. Eu me divertia quando ele falava isso...

Ele faz feira todo domingo. Acorda cedo todos os dias e tem horário certo pra dormir. Mas não perde o privilégio de tirar uma sonequinha depois do almoço. Não come carne vermelha, não fuma, não bebe e critica veementemente seus filhos que ficam “bebendo estas drogas aí”. Pois é, pai, são as más companhias.

Hoje eu já não fico perdida quando falo com ele. Sei que ele é um menino zombeteiro por dentro e não sou mais tão tonta de deixar ele roubar comida do meu prato. E sei também que, às vezes, ele fala sério e me faz sempre aprender algo novo. É o homem-menino que eu admiro quando me dá conselhos e que me ensinou que a vida é cheia de sorrisos.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Metade de mim.

À direita vejo as marcas roxas no braço, os dedos finos e alongados. Magros e sem força, eles caem no lençol. Observo a veia saltada e os sinais pintando a coloração na pele. Os pelos somem por este lado do meu corpo caído. E o cabelo ralo, ralo me deixa feia. Apodreço diante do espelho.

À esqueda é o nada que vive em mim. A hemorragia de sensações. O encéfalo dos sentidos ausente. O tato em antisinapse. Uma velha caolha.

Virei a direita, queria a ruptura completa com metade de mim.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Último Beijo

E, da carência, nasceu o desejo. Que durou. Uma eternidade no meu anseio. Ressoando em gritos, arfando em paixão.

Restou-me a vontade. E exausta com desesperança, desfaleci.