sábado, 28 de novembro de 2009

O travesseiro estava tão fofinho, tão gostoso. Ela não conseguia tirar a cabeça dele, sentia-se exausta e não queria sair dali de jeito nenhum. O mundo dos sonhos havia a consumido por completo, ela observava-se subindo, subindo, subindo em busca do inatingível. Seu braço estava tão próximo de todo aquele prestígio, o troféu que iria carregar.

Seria capaz de afastar tudo o que era necessário, via somente o objetivo. Queria ver-se linda, maravilhosa, com um espelho cheio de flores e bajulações. Estava cometendo um enorme pecado e nem ao menos conseguia olhar dentro de si mesma.

Era uma escolha. Havia decidido por aquilo que a fizera ter brilho nos olhos, o desejo de ver do palco a platéia aplaudindo de pé. Mas esquecera de alguns detalhes no meio do caminho. Perdeu seus princípios em um passo em falso. Completamente cega caminhava lentamente para a sua cruz, sem nem ao menos perceber. Seu lema era se enganar constantemente com atitudes racionais, grande engano.

Era muito mais emocional do que imaginava, sentia a culpa, o amor, o remorso e principalmente o arrependimento. Foi neste instante que se percebeu completamente humana, suas atitudes de deusa acabavam por aqui. Ela tinha compromisso com quem cativava e estava pagando muito caro por ter faltado com isto.

Tudo isto porque o troféu havia sido estilhaçado no chão. Agora ele não valia mais nada, eram somente cacos espalhados por todos os lados. Foi preciso se cortar em diversas partes do corpo e sentir o sangue escorrer pela sua pele, para perceber que tudo aquilo era uma ilusão.

Notou que na verdade os problemas que a feriam eram porque ela não fazia parte daquele mundo, o seu jeito não encaixava ali. Estava buscando ser algo que não era. Ainda tinha toda aquela essência dentro de si. Por isto, diante de tudo, notou que estava sozinha.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Fiquei dias ruminando um sentimento. Os momentos passavam em replay na minha cabeça regurgitando todas as sensações, salivando os desejos da língua até o céu da boca ficar assado. Havia uma sombra em mim. O passado havia retornado, reativando o que estava adormecido.

Como uma flor que abre em plena primavera, pude observar aquilo florescer aqui dentro. Tinha raiz, caule e as pétalas. Eu podia soprar o pólen para todos os lados espalhando a sensação de pura felicidade. Era tão prazeroso caminhar nas nuvens. O jeito moleque de bem com vida me deixava encantada, lembrava-me de sonhar sem colocar os pés no chão. Assim, como a melodia que chega de repente e te abala profundamente, percebi-me invadida por aquele sorriso.

Havia algo ali impossível de controlar. O bem-estar era tão gratificante que eu não me importava mais em carregá-lo junto comigo para onde quer que fosse. Tornara-se parte de mim. Era uma sementinha muito bem plantada que a qualquer momento poderia voltar a ser uma flor e soprar encantamento para todos os lados.

Carregar o sentimento não tinha mais peso. Era tudo tão simples e romântico que a aceitação era inevitável para a continuidade do relacionamento. Cada um aceita os limites, mesmo quando os limites pedem a distância.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Laços de Fita.

Suavemente ela deixava os pés percorrem por toda a superfície da calçada para ser arrastada pelo tempo, sentia-se completamente perdida em devaneios. Os olhos não processavam o que viam corretamente e seus sentidos ficavam difusos diante às emoções aprisionadas.

Devia ser a vontade de voltar ao tempo, de reviver uma época específica que a fazia perceber que é impossível matar um sentimento. Nada havia sumido de dentro dela, as faíscas criadas em uma noite permaneciam aquecidas em fogo brando. Não conseguia jogar ao vento o calor que acalmava seu coração.

Olhou para o poste da rua, será que ele vai apagar quando eu passar? Ela adorava estas idéias, enquanto todos morriam de medo do que poderia acontecer ao passar ao lado dos postes, ela somente ria e se divertia com as falhas das criações humanas. Mas no meio daquela luz tinha uma coisa voando, se mexia delicadamente, caindo leve como uma pluma e espalhando cor e brilho para baixo. Colocou a mão na testa para enxergar melhor, e viu, bem mais perto, agora, uma fita rosa. Encantada correu para pega-la.

Era daquelas fitas que todas as moças colocam na roupa para ficar mais belas. Sorrindo lembrou-se de vestidos maravilhosos com os quais ela ficaria linda. Era somente um acessório, mas poderia fazer toda a diferença em uma roupa, do mesmo modo que um olhar também consegue mudar tudo.

E foi assim que ela entrou naquele paraíso entorpecente, a magia de um sorriso criou o primeiro brilho de luz, a chama daquela fogueira já se propagava, mesmo quando, ninguém imaginava que aquilo era possível. A fita conseguira enroscar duas pessoas tão diferentes uma da outra. Os nós começavam a ser atados no peito e uma vez feitos, sofre-se com a eternidade das marcas.

Era uma fita para este lado, a outra para aquele e juntos formavam um lindo laço. Quanto mais bem feito, mais bonito ficava. Os laços frouxos ou muito fortes nunca duravam, ou eles se desatavam ou, com a maior brutalidade, arrumavam uma tesoura para terminar com tudo de forma ignorante.

Mas aquela fita era a representação daquele laço, aquelas marquinhas eram a lembrança de fortes emoções. Era algo reconfortante reviver. Dava vontade de sorrir e chorar ao mesmo tempo, pulou na guia da calçada e deu um rodopio que levantou sua saia. Tudo se misturava dentro dela e ela só conseguia ter certeza de uma coisa, que a fita, agora, não tinha nó nenhum, somente uma parte amassada que ela carregava no coração.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

À critica restritiva.

Estavam todos sentados em volta de uma clássica mesa redonda em um bar. O propósito único que os levava ali naquele momento era esvaziar as garrafas. Quem as trazia era o tal do “ô campeão”, que sempre prestativo ignorava a ironia do chamado. O grupo tinha mais ou menos oito rapazes, todos entretidos em dois assuntos que nunca sai das rodinhas masculinas: mulher e futebol.

Um deles afirmava, com os olhos saltados e a voz monopolizadora, como se sentia em algumas situações que tinha o desprazer de encontrar em casa. Era casado, com dois filhos e com um emprego que usurpava a sua vida. Sua esposa tinha o hábito de lavar a louça, ensaboando e já enxaguando, só que desta maneira ela gasta mais água. E isto o incomodava um pouco. Um dia, muito estressado, ele revelou e foi tudo de uma vez, foi a louça, as cuecas atrás da geladeira, o cheiro de cebola das mãos dela e a péssima dona de casa que ela era.

Mais uma rodada de cerveja foi distribuída, e o baixinho meio gordinho decidiu contar mais um caso, este agora, que aconteceu com ele no trabalho. Era contador e trabalhava em um escritório que tinha uma maquina de fazer Xerox. Havia, também, por lá, uma moça que atendia a todas as expectativas dos fetiches com estagiárias. Certo dia, a “belezinha” precisava usar a maquina e o caos foi estabelecido. Eram filas para admirar o suave movimento do corpo dela se dobrando até arrumar a folha, mas ela era realmente uma aprendiz, inclusive com cópias, não conseguia fazer nada direito. Diante de uma “puta bunda gostosa”, o baixinho chamou-lhe a atenção e afirmou que a melhor função dela era como exibicionista mesmo, afinal nem apertar um simples botão do aparelho ela não conseguia.

A risada soou de forma padronizada entre eles e começaram a lembrar de mulheres com corpos espetaculares que havia em comum entre eles. Não podiam deixar de esquecer-se da mulher do Clésio, aquela sim era puro tesão. Todos se entusiasmavam e diziam como ele era um cara de sorte, “comer aquela mulher” quando quisesse. O que nenhum deles considerava muito era o relacionamento que Clésio, que estava presente, tinha com a esposa. Na verdade, era muito mais do que sexo, os dois se entendiam muito bem, viviam em uma grande lua de mel, até que comentários como, “se ela fosse mulher minha eu não deixava sair com aquelas amigas em nenhuma viagem”, “até parece que eu liberava ela pra sair de casa sempre” e o que mais impactava era “mulher minha ninguém olha”. Mas todos olhavam, até os que fingiam e mentiam, ninguém agüentava a tentação. Clésio não agüentava quando isto entrava em pauta nas rodinhas, acabava sempre criando mais um discussão com a esposa, ao chegar em casa.

O “chefe” foi chamado e mais uma vez distribuía a cevada pelos copos. Desta vez, ele não conseguiu escapar dos bêbados de plantão, pois um deles levantou o copo e falou bem alto. “Um brinde ao nosso amigo que tão sabiamente decidiu fazer a faculdade de como colocar cerveja nos copos!” O que nenhum deles sabia era que o sábio “mestre” só queria ser mais um deles ali naquela mesa, mas ele nunca o seria, diferente dos homens da rodinha ele nunca iria menosprezar quem enchia os seus copos.

Embriagados na ironia brindaram mais uma vez, só que, agora, pela união do grupo. Levantaram-se oito copos em conjunto e ouviu-se o tilintar pelo que ninguém ousava definir o que era aquilo que os unia.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Quero ficar horas ouvindo um piano melancólico e pensando nos traços de suas mãos. Lembrar que seus pêlos deixam marcas em mim. Acordar e continuar na cama para fantasiar o seu carinho. Respirar o que há de mais lindo em você. E lembrar-se de tudo em momentos de nostalgia ao ouvir o piano.
Fechar os olhos para apreciar a melodia direito. Senti-la crescer aqui dentro. Ouvir cada nota acreditando que a sua mão está ao lado da minha, em cima do meu coração. Bate e machuca. Ouvir a música sozinha sempre foi mais triste.
E começa tudo outra vez, quando você acha que tudo está terminado, volta o refrão, avisando que ainda tem muita coisa para acontecer. É o refrão que eu mais temo. Ele chega, em um primeiro momento, mostrando o melhor da música, depois vai embora. E quando volta faz lembrar que ele é passageiro.
Não quero entrar neste vagão só para uma viagem rápida. Quero conhecer a Europa inteira. Ir para Indaiatuba eu vou todos finais de semana, e é bem rápido. Quero passar semanas inteiras conhecendo Paris. Sábados e Domingos vendo de perto o Louvre. Mas isto, só é possível se você me deixar conhecer a sua Europa. Deixar-me descobrir qual a música que você ouve em um sábado à noite, para ouvirmos juntos.
Toc, Toc. Posso entrar? Talvez hoje eu descubra a melodia do seu coração. Talvez hoje eu toque ela para nós dois ouvirmos antes de dormir.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A constância.

Se partirmos da premissa de que para obter-se o mínimo de ordem em uma casa deve-se estabelecer regras, entendemos o motivo pelo qual uma moradia com somente três adolescentes ser tão caótica. Como afirma a física termodinâmica, "Todo sistema natural, quando deixado livre, evolui para um estado de máxima desordem, correspondente a uma entropia máxima." Era exatamente este o nosso caso: caminhávamos rumo à máxima desordem.

Quando os pais assinaram o contrato, tudo ficou bem evidente para as meninas, iríamos morar juntas! Considerando que éramos provenientes de lares com hábitos completamente diferentes, nos deparamos com um sério problema: a liberdade desorientada. A anarquia foi estabelecida como sistema social, ninguém mandava, mas também ninguém era culpado. Funciona muito bem quando não existe nenhum problema.

O nosso primeiro caso de estudo foi a pia da cozinha. Um contato direto com os outros seres estranhos da casa por meio do acumulo continuo de louça. A princípio, criou-se certas regras, como “este lado é meu, o resto vocês que se virem”. Mas com o tempo, caminhamos à desordem e ninguém mais sabia onde terminava a louça de quem.

Em seguida, a pia resolveu se revoltar. Considerando que o apartamento estava velho e a pia exausta, descobrimos que ela havia criado uma habilidade “sobrepia”: o metal que a formava suava e tínhamos uma goteira abstrata. Depois de alguns meses, retirando bacias cheias debaixo da revoltada, decidimos consertar a situação e colocar o mínimo de ordem naquele lugar.

Porém, o absurdo não terminava ai. Havia também, a privada que cantava, a porta do banheiro que não fechava, a maquina de lavar roupas que enguiçava e o fogão com uma chama que exigia uma paciência de Jó. Era o tipo de casa que qualquer um adoraria viver.

Como não existiam regras, o sistema criou uma para nós. Era um ode a Entropia, com direito a coros em grego para todos ouvirem. A grandeza que mede o grau de desordem de um sistema estava nos nocauteando. Éramos resistentes residentes do caos. Aos poucos conseguimos enfraquecer a incansável vilã. A casa passou a ter certa ordem. Não exatamente em cima da pia da cozinha, mas o suficiente para harmonizar o lar.

O mais estranho no conceito da Entropia é que o equilíbrio universal é classificado como caos. Quando dizem que tudo segue rumo ao caos é porque, entropicamente falando, o universo tente a se equilibrar. E este conceito atingia não somente a parte física da casa, como também as três garotas psicologicamente.

Três figuras completamente diferentes, de repente estavam falando a mesma língua, descobrindo-se uma nas outras e criando um jeito simples e único que juntava um pouquinho de cada uma. Existia alguma coisa que entrelaçava uma idéia na outra, e quando chegava o final de semana, o que você mais queria era se divertir com quem você já se comunica por olhares.

Diferente de irmãos, não crescemos juntas, amadurecemos juntas. Quando o universo gritou “Chegou à hora de colocar um pouco de vergonha nesta sua cara, queridinha” existiam pessoas completamente estranhas morando na sua casa, o que tornava tudo mais complicado. A obrigação falava mais alto e quem era forte resistia a qualquer tentação de ter a mordomia de antes.

A anarquia foi destituída como sistema social. Ninguém mais estava feliz com esta liberdade, exigíamos um avanço neste universo. Foi proclamado um líder para apaziguar qualquer tipo de desentendimento, ele compreendia qualquer parte, para ele ninguém estava certo e todos também estavam certos.

Só fomos tomar conhecimento dele quando uma das integrantes precisava de ajuda. Havia algo além da solidariedade que as fazia deslocar-se para o hospital mais próximo, ou então preocuparem-se quando alguém soltava um berro inesperado na casa. Acima de qualquer momento insano das baladas fora criado um laço que ficou carimbado na formação de nossas identidades.

Era como ser parte de um corpo real, tudo junto, mesmo não sendo um só membro. Havíamos atingido um nível de consentimento que não era nem mais necessário manifestações sempre teríamos a certeza de quando uma riria.