segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Inebriada com o cheiro de lã.

Aquele universo infantil nunca havia a abandonado. Ela sempre se lembraria de como era acordar para continuar na cama pensando e olhando os fios quase que invisíveis no ar. Observar, com o prazer de quem tem o tempo livre como vida, e sentir a eternidade de cada segundo nos pontinhos brancos que a luz fazia aparecer a sua volta. Era este o encanto que a fazia lembrar do mundo gigante que ela temia e aguardava ansiosamente para entender.

O cheiro da roupa de lã que a mãe colocava fazia parte da despreocupação que ela sentia no presente e medo que ela sentia do futuro. A garotinha se via pequenininha diante do conhecimento do mundo, acreditando, ingenuamente, que eles sabiam o que faziam com tudo o que se transformava diante dos olhinhos assustados dela. Mais crescida, ela descobriu que todos eram ingênuos como ela e que, também, acreditavam em “alguém” que sabia o que fazia.

Desorientada, ela sentiu o pavor diante desta loucura. Se a ignorância é fundamental seria melhor que ela fechasse os olhos e fingisse que não havia nada, afinal, o pior cego é aquele que não quer ver. E parte destes cegos ela não fazia.

Mas e o berro engolido, as lágrimas que não desceram e o aperto eternamente ignorado no peito? Era facilmente justificado pela frase que cresceu ouvindo na voz de sua mãe: “tudo tem seu tempo certo”. Não adiantava nada participar da loucura que ela prezava contra tudo, nem da desordem que acabaria com a ordem estabelecida, a falta de organização devia ser externa, não podia contagiar. Uma muralha era erguida como uma faca afiada, apunhalada por mãos bem treinadas em cegar a verdade que não podia mais existir dentro dela. Um dia os berros de quem não fingia seriam ouvidos, enquanto isto, ela aguardava a oportunidade.

A falsa ordem interna só acalmava a mente, os sentimentos ainda queriam desabar. E a alma ansiava, sem nem imaginar, pelo encontro errante com algum outro visionário. Esta ansiedade foi acalmada, o sentimento desenterrado e a criança só queria colo de tanta dor que a invadiu. Doía, ouvir as mais tristes verdades de maneira tão simples e pura.

Eram dois lados de uma mesma moeda. Os dois enxergavam o mesmo problema e a solução de cada um ia por caminhos opostos. Só alguém tão absurdamente diferente a faria perder o chão e sentir o seu apoio sumir sem rumo nenhum diante da emoção. Eram dois caminhos para um mesmo sentimento.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A dor do vazio.

Como se tivesse todo o tempo do mundo, ela se aproximou e vagarosamente depositou o seu corpo sobre o acolchoado da cadeira. Não estava leve como antes, sentia que tinha adquirido o dobro do peso após ouvir uma palavra. Olhou para baixo e começou a admirar o vazio que criava diante dos olhos, o invisível mundo que ela reproduzia na estampa do carpete avermelhado.

Cheio de instantes que marcaram suas sensações, os seus devaneios a perturbavam constantemente. Ficar acordada era reviver as dores que não iam embora e estavam nas memórias que ela sempre quis esquecer, mas nunca conseguiu. Admirar os pêlos e a sujeira do tapete no chão tinha virado rotina em sua vida mansa e monótona, assim como um sorriso sem emoção, agora, era parte do processo imediato de cumprimentar uma pessoa.

Haviam duas formiguinhas levando um pedacinho de pão entre os pêlos do carpete, e atravessaram despercebido pela garota da cadeira que sempre analisou tudo nos mínimos detalhes. Não havia mais motivos para admirar a sua volta, tudo estava confuso e nada esclarecia o que ela sentia. Aquela agonia não a abandonava e todos os passos pareciam ser falsos em direção ao futuro que se tornava cada vez mais embaçado.

Era igual a um banheiro que depois de uma ducha quente fica com o vidro todo embaçado e coloca a nossa disposição um quadro em branco para grafar o que quisermos, porém, no caso da solitária garota da cadeira, não havia a possibilidade de escrever o que quisesse, este encanto com a liberdade de escolha para desenhar o seu próprio caminho era parte das memórias que traziam sofrimento.

Não havia mais graça no presente, do passado vinham lembranças sentimentais intensas que a nocauteavam à solidão extrema, mas o que mais doía era a apatia constante em que vivia sem conseguir enxergar o que viria depois. Se é que existia depois...

Ela ajeitou-se melhor na cadeira de madeira, olhou para o teto e estava tudo branco, de rente. Não tinha nada ali que lhe dissesse alguma coisa, tudo sem nada , vazio, sem objetivo. O monocromático a invadira e a dominava por inteiro sem a deixar respirar, como a língua venenosa de uma serpente capaz de selar seus lábios subitamente para o amanhã.

Olhou para os lados e notou que não havia ninguém. Sozinha ela passou por tudo que viveu e passaria tudo o que viria da mesma maneira, sendo incompreendida e na agonia. As bochechas ficaram molhadas, ela nem tinha percebido que lágrimas haviam escorrido, tentando em vão limpar a angústia do seu ser.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Que manifeste o Podre!

Buscando captar o lado mais obscuro do ser humano, me deparei com o que todos tentam esconder a sete chaves como se fosse a maior vergonha do mundo. Tudo aquilo que ao ser mencionado faz uma onda de vermelhidão tomar conta do seu rosto e te inibe de qualquer atitude normal evidenciando que ali, realmente, tem coisa.

Era só perceber que, quando um assunto era sutilmente mudado, havia alguém tentando esconder os traumas que ainda não tinham sido superados. Todos passam por situações delicadas como esta e evitam lembrar que existem excentricidades no bicho que o homem representa.Mas ninguém se lembra que isto é normal, não há nada mais humano do que ser todo torto e grotesco. Expor o seu lado mais podre diante do mundo pode ser um escândalo que todos comentarão, mas quando estiverem sozinhos vão se remoer por se sentirem sujos também.

Entre segredos e absurdos o bizarro acompanha a vida de quem tem intimidade e, as vezes, coloca a cara para bater. Em uma conversa que era rotina, subitamente, aparece o que ninguém esperava deixando a platéia com os olhos arregalados e na expectativa para saber mais e mais. Tudo aquilo que estava guardado dentro da gaveta aparece e vira palco, muitas vezes, de um épico.

O melhor disto tudo é quando existe aquela cumplicidade em esconder algo mutuamente assustador. Laços que são estreitados a cada descoberta, como os que eu tenho o prazer de viver em uma certa república que me faz afirmar com toda a certeza que tabus são feitos para sumirem do mapa depois que uma boa dose de verdade os faz evaporar.

Abaixo a ridícula moralidade da vergonha! Gritarão multidões em um futuro utópico. Todos unidos com o desejo de deixar de ser politicamente correto e demonstrar que esconder o nojento não te faz melhor do que ninguém. Não adianta fazer os outros acreditarem que você é aquilo que demonstra ser. Não, não no fundo todos somos cheio de raiva misturada com maçãs podres, um desejo intenso de vingança e ver o outro sofrer na sua mão. Só não mostramos porque domesticamos os nossos corpos com essa moralidade falsa que torna todos puros.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

20 litros em quatro braços.

Tem coisas simples na vida que a gente nem valoriza na nossa rotina, porque é algo tão ordinário e desnecessário para ficar montando estratégias de ações que até ignoramos. O único porém surge quando isso, que seria comum deixar de lado, deve ser analisado.

Foi em diversas situações como esta que eu me encontrei ao conhecer e cuidar do meu novo lar. A toalha não ficava limpa sozinha, o papel higiênico que mais parecia um rolo interminável, de repente, tinha fim; até a comida em cima da mesa ficou pelo menos meia hora no fogão para poder surgir. E quando a água terminava? Ah, aí o negócio não tinha jeito, precisávamos pedir e o moço lindamente a depositava no local que ela deveria ficar. Tudo pronto, tudo perfeito e a casa podia novamente ir ao bebedouro e aproveitar o líquido inodoro.

As coisas mudaram quando as três moradoras do apê sentiram a pressão que todos sentem na vida e começaram a trabalhar. A partir dai a vida não tinha mais jeito, era uma correria só, o tempinho que restava para contar as novidades era apertado e todas iam dormir tarde por causa disto. Quer coisa mais gostosa do que ficar rindo de madrugada até sua barriga doer mesmo sabendo que no dia seguinte você vai estar quase caindo de sono?

Porém havia um momento em especial que reunia as integrantes da república para quase um evento: a inserção de 20 litros de água em seu devido lugar. Com a vida agitada era impossível estar presente na hora que o galão chegava na casa das garotas do interior, então o coitado ficava lá fora de castigo esperando a chegada de uma pessoa caridosa que o colocasse no lugar certo.

Para arrastá-lo para dentro de casa não havia problemas, era só vir puxando e empurrando até a cozinha e dar um berro: “Ae galera é hora de colocar a água no lugar!”. E subitamente apareciam mais duas jovens devidamente vestidas com seus trajes noturnos preparadas para fazer a boa ação do dia. Quatro mãos pegavam no galão e a outra que sobrava ficava na torcida “Go go go”. A força que devia ser feita era enorme para os bracinhos frágeis das donzelas indefesas, se existisse uma competição nas olimpíadas de quem mais coloca o galão de água no lugar, com certeza, perderíamos. Mas em questão de espírito de equipe venceríamos disparado.Quando finalmente obtivemos sucesso em nossa missão a equipe pulou de alegria e gritava em coro “Valeu time!”.

Era sempre assim, uma saga para uma coisa tão comum que ninguém normalmente daria importância, mas a gente dava e se divertia enquanto durasse tudo, porque a gente sabia que aquela coisinha tão boba podia nos fazer ter os melhores momentos e sair saltitantes e serelepes pela casa tentando a todo custo agir como gente grande que não queria crescer.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Aquilo que mais importa.

E foi assim que as coisas começaram a funcionar: cada uma ia para um lado, mas iam todas juntas seguindo a sintonia do que as unia. Tinha os dois extremos e aquela que estava sempre no meio, fato que ganhou grande significância independe da situação, pois esta era a maneira em que todos podiam ver que elas se completavam de uma maneira estranhamente animadora.

Bastava combinarem que queriam se divertir e o momento estava feito. Produzir sensações inesquecíveis era a maior habilidade daquela união que, com um simples toque, deixava todos sem entender a língua que elas falavam quando cruzavam os olhares e abriam aquele sorrisinho de canto de boca que diz: também adoro tudo o que nos torna únicas.

Uma balada sem graça, de repente, tornava-se a melhor de todos os tempos, porque elas sabem como se divertir sem precisar de nada, talvez um copinho com um liquido que deixa alegre ou uma banda de rock n’ roll que fazia as três balançarem a cabeça e repetirem insistentemente: “esse som é muito bom”. Mas na verdade nada era necessário, as risadas eram um presente divino que fazia questão de visitar a rotina delas e entretê-las com qualquer comentário suficientemente ridículo.

A saudades se apossou dos coraçõezinhos desta jovens mulheres quando sentiram-se desunidas. Não havia nada mais gostoso do que combinar de se divertirem juntas e quando iam duas tornava-se obrigação da terceira acompanhar, porque afinal o maldito tripé só estava completo quando não faltava ninguém. Nenhuma emoção era perfeita quando sentíamos aquele vazio, o melhor era sentir que você amava aquilo mais que tudo.

Sem precisar de justificativas, as atitudes tinham a liberdade que sempre precisaram para se expressar integralmente. Era sempre assim, por isto, aquilo tudo era viciante e deixava todos embriagados com tamanha sinceridade e carinho em qualquer atitude. Como os três mosqueteiros, um por todos e todos por um, lutamos contra um universo que apavora qualquer jovem que quer entrar no mercado de trabalho. Cada uma para uma direção, mas sempre se apoiando naquele momento que mais precisa criou-se uma espécie de casa, com nome e apelidos que simbolizam tudo aquilo que nos faz sentir as mais encantadoras emoções quando, em um abraço triplo, percebemos o quanto isto é importante para nós.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Vermelha de Vergonha.

Há dias em que ser um ator é a pior parte do negócio. Seria mais fácil se eu simplesmente observasse e admirasse tudo por fora, encarando todos, profundamente, para descobrir o que tanto escondem atrás das impressões que deixam. Participar é comprometedor, você é parte das acusações e das culpas que te incluem no relacionamento.

Ser espectador é como estar em frente a televisão e presenciar essa loucura toda sem a necessidade de se comprometer e ainda ter a liberdade de ir pegar uma pipoca para assistir de camarote o quebra-pau. Eu nunca participo de nada quando sento no sofá e vejo a telinha, sou somente uma peneira que filtra cada informação com cuidado para interpretar a situação que eu admiro.

Em algumas situações a vontade universal é fingir que você não existe e que nunca fez parte daquilo, é tudo culpa daquela sensação que te deixa com as bochechas intensamente vermelhas quando está todo mundo olhando, ou então quando a única pessoa que deve te ver impecável te flagra no pior momento possível. Seria melhor que eu não tivesse nunca existido e fosse um mero espírito que norteia os vivos tentando, em vão, contracenar em no palco que, para mim, só tem espaço na platéia.

Infelizmente, ou felizmente no mundo real eu tenho espaço reservado no palco do teatro da vida, onde todos fingem que vivem e ninguém entende o que é entrar em cena. Todas as minhas ações devem estar organizadas em uma cadeia para eu garantir que os acontecimentos sejam resultados na minha trama que varia entre o racional e os lamentos da emoção.

Se o ator é aquele que age, então o meu drama é viver. Mesmo insistindo em me tornar platéia, jamais serei; minha sina é presenciar somente minha vida. Vou desejar sempre ser o diretor, sem ter arrependimentos diante de erros e medos, simplesmente ter o olhar crítico e dizer “corta”. Quer coisa melhor do que tomar as decisões, analisar tudo e não sentir a culpa.

Muito mais do que querer fugir, eu quero desencarnar deste compromisso de arrependimentos e desejos que não abandonam nunca os corpos dos vivos. Talvez fosse melhor estar apodrecida no chão de um caixão sendo parte do nada como o vácuo que não sente nada, porque toda a dor é invisível aos olhos dele.

Qual o motivo de sentir, se não existe explicação para nada? Aguardo ansiosamente o dia que eu morrer para ver todas as explicações destas dúvidas intermináveis. Só espero não me desapontar lá do outro lado, mas talvez minha curiosidade insaciada torne-se parte do vazio e, como vício, continuarei sem saber.