segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Um sentimento não conhece tempo. As mágoas duram vidas, as sensações de inferioridade são engolidas e carregadas como encostos. Ficam esperando, no infinito das emoções, por um toque sublime que as liberte.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sóbrio vivo
Dê-me asas
Voar-eu-ei
Sai, enfim, só
Desalado
Só flutuo
Sobrevivo.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Na dúvida: a indiferença, a imobilidade, a desistência e desvalorização. Basta uma confusão e paramos. Até, enfim, a ausência de decisão tomar por si só um caminho e virar uma certeza.

Naquele momento eu funcionava como uma balança e analisa criteriosamente os dois lados, levando em consideração o peso dos braços: o equilíbrio me incentivava a inatividade. Estava estagnada, largada como um saco de lixo na própria cama.

O sentimento de mágoa começou a se alastrar por todo o meu corpo. Um desânimo me motivava a permanecer deitada, sem fazer nada, olhando para o teto. Contando as falhas que a pintura, agora, manifestava, acompanhava com o olhar os insetos que rodeavam o lustre.

Com as asinhas euforicamente batendo, eles queriam a luz. Buscavam pelo prazer instigante que ela oferece, mas se afastavam com medo das atitudes suicidas que se expunham em qualquer avanço mais ousado. Eles ensaiavam a coreografia do lustre, disputando com suas patinhas cheias de esperança a proximidade àquele brilho.

Queria voar em direção à luz, esfregar as patinhas como um louva-deus, saltar livremente sem rumo, somente buscando a sobrevivência. Carregando só o peso do meu corpo e abandonando os medos em outra encarnação. Talvez eu conseguisse atingir o estado metafísico do nada em um salto de grilo.

De repente, um deles perdeu a asa. Ficou caminhando pelo teto “desalado”. Andava de um lado para outro, não sabia qual rumo tomar, ficou impotente sem a possibilidade de voar. Enfim aterrissou no universo daqueles que não voam e caminhava, novamente, em direção a luz.

Virei o rosto para o travesseiro e apaguei a luz. Era melhor dormir. Amanhã seria outro dia.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Li na sua iris

Quando eu quis saber o significado deste brilho, busquei nos seus olhos palavras que me faltavam. Encontrei a ausência do discurso, inebriado. Era pura sinestesia admirar aquele castanho modelado. Foi ali que eu entendi. Você não me dizia o que sentir, só emitia o que eu sempre quis ouvir.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

1 X 0

Embaixo da ponte tem um campinho
dribla sonhos,
pega, dá o toque,chuta...
bola
vibra quando cai no gol
A emoção rola
Olé!
desperta a torcida no menino
Ola de ir embora

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O fruto da nogueira

Ata-me
Desenlaça a vontade
Aprisiona em nós
Cego
Noz

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O pronome da amizade

O filme havia acabado. As garotas ficaram na penumbra dos créditos finais, deixando o letreiro passar em silêncio até assimilarem o que haviam visto. Uma delas puxou o cobertor mais pra cima, a do lado se ajeitou melhor no travesseiro, outra tentou se posicionar melhor na cama de casal e a ultima suspirou.

Formavam um daqueles grupinhos de amigas que estavam juntas fazia anos. Quanto mais próximas, mais passavam por momentos parecidos. Uma começava a namorar e em pouco tempo lá iniciavam as outras também. Uma terminava e, não tinha outra, se o relacionamento estivesse mal das pernas, tudo parava de andar. Até mesmo menstruavam na mesma época, mas isto não era porque os laços eram muito fortes e ultrapassavam até as barreiras biologias na fusão, era, somente, pela convivência mesmo. O corpo feminino compreende algumas coisas que não é possível explicar cientificamente e estes vínculos invisíveis nem elas entendiam como haviam sido atados.

Foram os nós dos anos que teceram os fios deste sentimento. As quatro conjugavam cada vez mais aquela ligação, estreitando vidas com as emoções e aprofundando no conhecimento de si mesmas e de ser humana.

Era encantador observar como se entendiam tão bem e seguiam por caminhos opostos. Quando mais jovens, tinham o universo cheio de portas abertas, mas conforme decidiam os passos, caminhavam por estradas diferentes e os problemas curriculares saiam da pauta dos encontros. Nenhuma falava a mesma língua na faculdade, mas apresentavam o mesmo sotaque. Aprenderam desde pequenininhas a linguagem carinhosa dos nós. Era um nós nos amamos, nós nos queremos bem, nós nos ajudamos, nós falamos a verdade quando precisa, nós. Ao ligar uma para outra, observava-se como sentiam os nós.

E aquele era um momento delas, quando podiam falar livremente e aproveitar o final de semana para colocar o papo em dia. Quanto mais falavam, mais tinham coisas para falar. Contaram dos amores, das desilusões, dos sonhos e expectativas, mas nunca deixavam de lidar com maturidade com as situações mais complicadas que poderiam, como em um tropeço vocálico, torná-las em somente eu.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Presa Humana

Eu esperei até mais tarde, quando vi que a lua já sobrepunha o dia e sai. Não queria que ninguém visse o que eu estava prestes a fazer. Abri o calabouço da casa e cuidadosamente desci as escadas. Eu estava tensa e minhas mãos apertavam-se continuamente emanando um suor frio desesperador. O ranger dos degraus não me assustava tanto assim, temia muito mais pelo o que eu ia encontrar ali embaixo, deitado no chão. Respirei pausadamente, se eu não me acalmasse não iria conseguir cumprir a minha obrigação.

Eu podia sentir o cheiro do sangue velho e já seco. Meu estômago revirava enojada com as lembranças, estava quase vomitando. Engoli a vontade de ruminar, aquilo era mais importante do que um mal estar qualquer. Raciocine, não se altere, não deixe as emoções dominar. E como se eu ligasse um botão meu momento estóico havia se iniciado.

Pisei no chão sujo, com os vestígios de uma luta sangrenta. Não estava me importando muito com os meus sapatos, em breve tudo estaria limpo e em seus devidos lugares. Meu impulso organizador me direcionou ao morto que jazia ali na penumbra. Olhei naquela face serena e me lembrei de como foi difícil arrancar os seus caninos com o alicate do meu pai.

Ele ainda estava acordado e amarrado em uma cama e se mexia loucamente. Quando viu meu sorriso aquele dia ele achava que ia ganhar mais uma noite de prazer, muito sexo e pouca conversa. Muito gozo e nenhuma cumplicidade. Mostrei a corda com uma cara safada, o amarrei a cama e ele agonizava de ansiedade. Com um simples rebolado em seu membro ele gemeu e fechou os olhos me dando abertura para amarrar um laço firmemente na boca. Os caninos ficaram a mostra.

Enfiei o instrumento na boca dele e com o alicate pressionava o dente para os lados, era complicado com ele se mexendo loucamente. Obstinada, insisti, o sangue escorrendo me dava com mais vontade de aproveitar o momento sádico. Arranquei os dois dentes que ele mais prezava sem nenhuma anestesia. Ele urrou de dor. Para meu deleite ele implorou que eu parasse, estava louco para fugir. Gargalhei e procurei outros instrumentos que me fizessem aproveitar mais ainda o momento sereno.

Encontrei um machado, a serra e chave-inglesa. Preferi os alfinetes e a faca de cozinha que quase não tinha corte. A pele dele era difícil se triturar, se a carne fosse mais macia não teria me dado tanto problema. Quando ele já estava cheio de ferimentos nos braços e pernas, avancei para a região do joelho e cortei qualquer possibilidade de ele se manter em pé novamente. A perna continuava ali, mas, um pouco inútil agora. Enrolei-o no lençol e, todo amarrado, o levei para o calabouço ainda vivo.

Isto já fazia uns três dias, decidi descer e observar o morto-vivo que antes sugava o que me era vital. O desejo sádico havia ido embora, restava à realidade o peso de um passado mórbido. Nunca devia ter me envolvido com um vampiro, nunca devia ter deixado aquilo se tornar parte da minha vida e dominar minha emoções completamente. A pessoa sempre equilibrada tinha se tornado completamente passional, amando intensamente, feito o diabo. Eu havia me entregado até finalmente abrir os olhos e ver que era fonte de alimento para a sua sobrevivência.
Mas ao olhá-lo como um resto de corpo estendido no chão. Encontrei em sua face o espelho que eu temia. O criador se encontrava na criatura. Eu poderia ser tudo, menos igual aquela coisa! Senti-me nojenta e via meu corpo igual ao dele, completamente mutilado no chão. Minhas mãos eram sujas e minhas pernas não me sustentavam mais. Olhava para o teto desesperada! Meus dentes haviam sido arrancados. Os meus dois caninos pairavam na poça ao lado do meu corpo estendido no chão, aguardava para ser enterrado.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

O esqueleto exposto

Estou farta! Cansei das intriguinhas mal resolvidas e das necessidades que cada um tem de se achar superior. Esgotou-me as discussões desnecessárias e as angústias mal resolvidas. Meu interior não tolera mais o transbordamento irracional e passional alheio erroneamente em minha direção. Basta, eu grito com todas as letras. Nestas horas, gostaria de cuspir as doloridas verdades que eu me fecho e não falo para não magoar. A língua ferina, muito bem controlada está cheia de marcas dos meus dentes, que afiados e certeiros, me impedem de causar estragos. Queria dar um tapa no rosto de cada um que decide descontar os medos e frustrações, adquiridos com os passos errados na vida, nos outros. Na boa, meu querido, se enfrenta no espelho antes de erguer o dedo na cara de alguém.

Estes tipinhos que sentem-se ameaçados e abastecidos pelo medo pisam em cima e tratam com enorme desprezo. Não importa o quanto você queira aniquilar aquela ameaça, meu bem, uma vez instalada, o medo permanecerá, caso não enfrente dentro de si. Angustia-me também, o “bom-mocismo”. Ó, os bons camaradas regidos por um bom coração fraterno. Que meigo, meninos e meninas adoráveis na sua infantilidade carregada de sonhos imaturos. O bom-mocismo, meus caros não é nada menos do que a ingênua ignorância do “preciso ser uma boa menina”, não posso dizer palavrões, preciso ser meiga, cordial, demonstrar que eu aceito as situações, ser praticamente uma princesinha bibelô Disney. E os bons-rapazes serão aqueles que em seu mundo de boas intenções, buscam aparecer no cavalo branco e proteger a boa menina deste mundo cruel.

Esta palhaçada toda é lastimável. A boa-menina perde-se em pânicos e medos de viver naturalmente e o bom-menino torna-se um exemplo digno do homem patriarcal e não aceita nenhuma mulher que ele considere igual ou superior a ele, em inteligência, emprego, maturidade, em qualquer argumento que ele valorize e gere um conflito. Afinal, ele é o apoio, a sustentação, o que diabos ele seria se não for isto para a mulher dele?

O bom-mocismo como qualquer outra boa intenção das frágeis figuras humanas é só mais uma representação das nossas fraquezas e incapacidade de aceitar a nossa verdadeira face. Ficamos com tanto medo da caveira interior que jogamos acima da pele as mais espessas camadas de base, algumas vezes fazemos até plásticas para desentortar o nariz da bruxa, mas é impossível esquecer que embaixo da pele a caveira ainda permanece.

A necessidade de ser importante para alguém e ter a certeza que uma pessoa precisa de você, é a regência do bom-rapaz. Este cara, na verdade é um coitado. Está tentando suprir o seu medo da solidão no heroísmo, quer sentir-se valorizado por alguém. Não aceita a idéia de ter ao lado uma mulher madura como ele, porque sente que não pode controlar isto. Nesta fuga, do medo da solidão, ele cavalga lindamente rumo aos mais solitários dos relacionamentos: o hierarquizado, no qual ele soberano fica acima e ela fragilmente aceita a segurança em que ele a acolhe. E é no topo, sem companhia nenhuma que ele se encontra novamente diante do pavor.

Aquela mulher que sente que não basta o acolhimento e a segurança, que quer ser igual a ele e desfrutar do mesmo patamar, dando mais companheirismo aos dois e mais liberdade de ser quem são verdadeiramente, é geralmente rejeitada. Os cavaleiros a admiram, mas não a querem. Alguns a chamam de mulher fálica e eu com todas as letras afirmo, que igualdade entre os sexos não tem nada a ver com inveja de um órgão sexual. Boa parte das mulheres está muito feliz com sua vagina e ADORA (em caps lock) os prazeres que ela oferece.

No fundo, sinceramente acho que “de boa intenção o inferno está cheio” e que se fossemos emocionalmente auto-suficientes não íamos ficar perdendo tempo com relacionamentos amorosos, demonstrações de solidariedade e boas ações fraternais. Eu seria mais eu e ponto.

sábado, 14 de agosto de 2010

A separação

O jantar acabou. A mãe se levanta para assistir TV e deixa tudo ali na mesa para os outros cuidarem. O marido paciente recolhe as migalhas espalhadas na toalha da mesa e do prato sujo que ela nunca coloca na pia. Os filhos observam calados e vagarosamente contribuem com a organização rotineira da casa. A louça acumulada e enfileirada espera a chegada da empregada que aparece só no dia seguinte.

A mãe se distrai com mais um seriado fútil no sofá. A mocinha do programa luta pelos seus ideais, reconhecimento profissional e uma família que a valorize muito. Ela dá altas risadas com as cenas mais clichês e se sente inteligente por saber o que vai acontecer no final do capitulo. Nada mais do que o óbvio.

Os filhos passam pela sala, chegam com a intenção de contar as novidades e ela pede espaço. Este é o episódio em que a mocinha vai dar o primeiro beijo no mocinho, ela aguardou a semana inteira, não está interessada em ouvir nada de ninguém agora.

Enquanto isto, o pai arruma o mamão, maçã, a faquinha e até um pãozinho para ele comer na manhã seguinte. Conversa um pouco com o menino, que conta suas descobertas adolescentes e ouve um pouco as dificuldades da garota. Ele conta piadas, dá dicas e compreende as mais obtusas situações. Seus filhos o admiram.

Antes de ir dormir ele pergunta à esposa o que ela deseja que ele compre na feira, no dia seguinte. Ela pede algumas frutas que ela gosta: caju e mexericas. Ele vai para cama e lê um pouco, gosta de biografias, aprende com exemplos vividos e se espelha neles. Todos grandes empresários, que conquistaram o sucesso com muita dedicação e ousadia. Ele fecha o livro bebe da água que deixa ao lado da cama e apaga a luz.

Além das frutas, a mãe gosta de chocolates, e o pai sempre compra alguns para agradá-la. Docemente o marido oferece a ela aquela novidade que ele encontrou no mercado. Ela rejeita e ainda pergunta: “Mas você não sabe que eu não gosto de crocante?”. O filho, ouvindo a reação, se interessa e pega o doce. Os dois então começam a contar piadinhas e rir da situação.

Mas um dia, após voltar do supermercado, sem os filhos em casa, já que os dois cresceram e foram fazer faculdade fora, ele se encontra cansado desta rotina. Quer cuidar dele mesmo, ter o dinheiro só para ele. O impulso que ficou guardado durante anos finalmente acorda e ele percebe que não há família, amor, mulher e filhos que possam compensar suas carências.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O veneno pintado

Corri ao encontro de uma dose imediata do mais eficiente remédio. Arrepiava-me ao contemplar no escuro as minhas lembranças. Guardadas em um abismo longe, ao fundo, no obscuro que somente um medicamento que mata e cura, pode se alimentar da dor.

Relutante, agarrei o pincel que encontrei dentro daquela sala arredondada. Pressionei-o em minha mão e aos poucos eu observava as cores nubladas, em um tom azul escuro, espalhadas por toda uma ilusão branca e vazia. Busquei pela tinta na salinha e arremessei o pincel dentro da lata. Azul marinho, quase o preto de um buraco sem fim. Com as pintinhas borradas eu recheei de detalhes as nuvens daquela tela. Queria ver o choro do céu das fantasias, as lágrimas derramadas pela infantilidade da vaidade e da compreensão ardida dos sonhos perdidos.

Ao som de um jazz suave, larguei o pincel na mesinha ao lado e deixei-me fluir solitária. O piano arrepiando os meus pelos e os meus dedos passando pela pele, com um toque de amor. Os ombros balançando suavemente, seguindo o ritmo da sensação que transbordava em mim. Os pés mexiam-se delicadamente para frente e para trás, fluindo com toda a delicadeza do momento. Calmamente, dei a minha primeira volta e meu corpo continuava a balançar com a doçura da liberdade interior. Sorri como quem descobre uma novidade estupenda e dei mais uma volta. Expirei e meus olhos ainda se mantinham fechados, só queria aproveitar os sentidos daquele instante puro e belo. O agudo da cantoria me encantava e eu me sentia mais feminina e mulher. Respirei profundamente, lágrimas fluíram sem compreensão e continuei em sintonia com o invisível captando os mais sublimes desejos. Os segredos do meu eu estavam ali, naquele momento intangível, guardados com a ingenuidade de quem ama e não sabe o porquê. Ainda com o sorriso, apreciei o gosto das lágrimas que fugiam de mim em vão. Terminava com as minhas duas mãos na cintura, em um abraço intimo.

As últimas teclas do piano sinalizavam o fim da magia, agora, eu podia abrir os olhos. E aquela música que havia reinventado meu ouvido e, ao mesmo tempo, buscava em mim um criador, um senhor fantástico, capaz de gerar sentido àquelas notas, acabou derretida dentro de mim. Minha visão havia sido renovada e meus suspiros de amor fluíam aliviados pela nova imagem humanista que admirava o quadro.

Todo aquele peso de cores, o excesso de escuridão, de repente, havia se tornado natural. Parte de mim deixou fluir todas as emoções, purificar as paixões e atingir o mais sensível e único que cada pessoa pode alcançar. Meu quadro estava iluminado. Brilhava com o espanto de quem está vivo e se assusta com e experiência de ser humano.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A encenação do ritual da paixão

O tecido fino e macio acariciava a minha mão e eu não queria mais deixar de sentir os prazeres do tato, a visão inebriada pelo brilho e o cheiro hipnotizante que seduzia me fazendo acreditar que nunca mais sairia dali. Aquele era o véu. Estava pendurado ali na minha frente, onde quer que eu fosse ele me perseguia como uma sombra, mas ao invés de ficar atrás, me acompanhando, era eu que o seguia.

Diante das delicias das ilusões, me recolhi no fantástico, no perfeito mundo real dos sonhadores. Havia espaço para somente um ali, o iludido. Eu. Os sonhos acompanhados nunca fizeram parte deste mundo com histórias encantadas. Quem poderia fantasiar os deleites da felicidade em conjunto? Nem os amantes mais apaixonados com uma conexão mental profunda poderiam se aventurar nas mesmas obras da imaginação. Esta invocação de sentimentos e imagens é individualmente prazerosa, nela eu me despejei e naveguei por projeções abstratas que, ás vezes, chegavam ao absurdo. O irreal e eu nos fundimos na fuga do meu universo.

O que alimentava a minha criatividade imaginativa era nada menos que o encantamento com a semelhança, ou melhor, com algumas coincidências infelizes que vieram a calhar em um momento de fragilidade sendo, ludicamente, transformada em catarse.

Sentia-me inserida em um rito. A passagem de uma vida sozinha para uma vida compartilhada, a introdução de um companheiro em momentos especiais. Era fascinante vivenciar esta nova etapa, estava embriagada com os meus próprios sentidos e apegada aos meus sentimentos. Tudo parecia uma realidade superior ao normal. Eu estava em um estado alterado de consciência acreditando na representação arquetípica do amor.

Buscando atender a todas as minhas vontades amorosas eu criei o pensamento mágico que explicava a minha saga heróica. A minha trajetória ao nascer, vivenciar e deixar o sentimento ir embora. Retornei ao meu estado natural por um motivo: eu não era a única que havia criado um mito.

Ele buscava sentidos para a própria existência por meio do apego. A carência e o medo o impediam de iniciar a mais dolorida das jornadas internas. Ele havia inventado uma relação, algo para escapar dos conflitos, mas a relação acabou por inventá-lo. Completamente absorto em um estado onírico, os instintos o dominam e ele afasta um dos motivos de contemplação da realidade que ainda existia.

Éramos dois frutos do acaso. Cheio de concessões e impedindo vontades próprias, se resumiram em duas pessoas sozinhas acompanhadas.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sabedoria dos Tolos

- Você acredita em destino? – perguntou o garoto, sem tirar os olhos do céu escuro e estrelado.

- Não. Acho que eu sou responsável por tudo o que realizo aqui. Não acredito que nada esteja programado. – respondeu a menina que estava ao lado dele, deitada na grama.

- Eu acredito em partes. Acho que temos o livre-arbítrio, mas o “destino” é a conseqüência das nossas ações. E talvez, quem sabe, as coisas estejam programadas. Não tem como saber, estamos tão presos à engrenagem que é impossível comprovar algo. – a confusão no que ele dizia deixava o encantamento no ar.

- Mas afinal você acredita ou não? – ele riu.

- Eu acredito quando é reconfortante acreditar. Quando meus sentimentos pedem por um significado maior às coisas. Mas quando estou sóbrio, sei que sou dono do meu próprio destino. – agora foi a vez de ela rir e deixar-se gargalhar.

- Por que você está rindo?- sem conseguir conter o riso ela o deixava agoniado.

- Agora, você acredita ou não?

- Neste momento eu acredito que não estamos os dois sozinhos, deitados na grama e olhando para o céu estrelado por nada.

- Que xaveco furado! – ela deu um tapinha no ombro dele.

- Não é isto. Eu acho que esta atmosfera reconfortante e impressionante tem um significado maior. Não é possível que os momentos que mais marcam e são carregados como uma lembrança por toda a sua vida não aconteçam por um motivo.

- Mas não tem! Eles simplesmente aconteceram e agregaram coisas a você. Pode ser que isto tudo seja mágico para você e que guarde este dia até a sua morte. Mas pra mim pode ter sido só mais uma noite.

Ela olhou para ele, sorriu e depois deitou a cabeça no ombro esquerdo dele. Assustado, ele ainda estava introspectivo de mais para abraçar esta nova situação que surgia. Com os corpos mais próximos, agora, continuaram observando na escuridão.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Em um olhar,
eu me perdi por dentro,
me encontrei de novo
e renasci como um todo.

Em um suspiro
meus olhos se reviraram,
meus passos se desviaram.
Deixei de ouvir o encanto.

Em um momento percebi,
quando me perdi,
encontrei você.
Pena que você não se encontrou.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O trajeto diário

“A grande felicidade não é durável entre os mortais.” Da tragédia de Orestes.

Estação São Judas. Sinalizou o alto-falante dentro do metro. Algumas pessoas se deslocaram para porta, outras se apoiaram no vidro e a maioria não se mexeu. Os bancos estavam vazios, havia poucas pessoas ali, o trem estava perto das ultimas estações. Entre os que não se deslocaram ao ouvir a sinalização, havia uma garota com os olhos perdidos. A menina estava sentada, ouvia uma música que ela cantava junto baixinho, mas sua atenção se focava em algo que corroia a sua percepção.

O livro em suas mãos não importava mais, sua mente estava distante. Levantou-se e foi até a porta esperando calmamente ela abrir, fechou o livro e o deixou dentro da bolsa, olhou no relógio e seguiu com a rotina. Sua caminhada seguia o ritmo descontraído que ela levava para tomar suas decisões. Com um passo de cada vez, ela virou a direita. Mais a frente se deparou com as mesmas pessoas mal-humoradas que corriam apressadas para os seus destinos diariamente. Ela se encantava com as sutilezas destes momentos, quando a rotina e ambição entravam em conflito com a felicidade.

Riu consigo mesma e atravessou a rua. Estas pessoas desesperadas, correndo todos os dias loucamente, como workaholics, desgastam uma vida inteira para chegar lá. E onde é este lá, ela se perguntava. Olhava o chão, entretida com a música, adorava esta que começara a tocar. Não fazia sentido tudo isto, esta busca pelo lá inalcançável. O status supremo e os sonhos realizados. Será que todos precisavam sofrer tanto para sentir bem com eles mesmos?
Virou à direita começou a desviar dos cocôs no meio da calçada. Este desleixo dos homens a incomodavam. Achava que algumas pessoas não sabiam o que era viver em sociedade. Não fazia sentido, nada fazia sentido. Desencantada com tudo o que observava, voltou-se inteiramente para aquilo que a tornava simplesmente humana.

Sentia o amargor em sua boca. A morte de suas expectativas ainda remoia em seus sentimentos mal resolvidos. Buscava significações para esta alegria instantânea e encontrava no grande mistério da humanidade o mais sagrado dos sentimentos, o amor. Esta alegria momentânea que usamos para nos iludir, enganar aquela criancinha interior que ainda anseia pelo peito materno para finalmente se sentir completa.

Uma busca sem sentido que nos mantém vivos e que nunca vai ser alcançada. Que seres frustrantes somos, ela pensava. A porta abriu e ela entrou no prédio, continuava o seu caminho guardando dentro de si as divagações que tanto a perturbavam. A felicidade ia continuar existindo somente no mundo utópico que criamos para nos iludir. Apertando o botão do elevador, ela saudava a ignorância que predominava a favor das emoções.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Final triste

Então é assim. Acaba tudo de repente, com ele indo pra longe de mim, afirmando e demonstrando claramente que não gosta mais de mim. O que não era para ser, nunca acontecer e se concretizar ficou só no desejo sem reciprocidade. Sem esperança de futuro, a menina é obrigada a fechar o livro interrompendo a história cheia de sonhos que ela queria se aventurar.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

A irregular disposição de amar.

Um cérebro viciado é um problema. Ele está acostumado a receber a constante inserção do mesmo ativo. A informação pode vir do menor elemento que gera a associação, como uma camisa xadrez que lembra a roupa que ele usou uma vez ou um senhor com uma rosa na lapela que te faz recordar de uma mensagem que ele escreveu. Não importa a qualidade exterior, tudo fará a recordação vingar no interior. A mente aprecia tanto do “mesmo” que faz questão de soltar as memórias constantemente, ás vezes, sem nenhum motivo, só para você caminhar com um sorriso bobo na cara.

Logo cedo, ao abrir os olhos a pessoa querida invade seus pensamentos. Os suspiros começam e você quer alimentar mais e mais este sentimento. Ao passar pelas ruas, todos se tornam um nada, são vultos ao seu redor. Na sua frente só existem os sorrisos encantadores com os olhinhos pequeninhos, quase cerrados, as sensações dos beijos e apertos, o desejo irrefreável de sentir prazer e a sede de ficar ao lado toda hora.

O corpo fica acostumado a amar, a fazer amor e ser amado. A pele anseia pelos lábios nos seios, na barriga e pelas brincadeiras com o umbigo. A língua tem sede do outro e os dentes desejam loucamente manifestar o prazer. Os pêlos. Ah! Os pêlos arrepiados, em excesso demonstrando a masculinidade, roçando a pele, arranhando o rosto e marcando território. Os corpos fatigados de tanto exercício, suados, dormem nus.

Mas, agora, é hora de sair da cama, de abandonar as vontades e quebrar com todas as expectativas. Porque todo sonho tem um despertar e este acaba quando a verdade se sobressai à ilusão. O país das maravilhas tem que terminar, as expectativas devem ser quebradas e os sonhos nunca alcançados permanecem guardados, ali mesmo, na caixinha fantástica do mundo que de um mês fez toda uma existência. Um amor de verão, um doce novembro com final feliz, onde cada um segue seu rumo separado e ficam as somente as melhores partes do que podia ser, mas não foi, do que um queria e o outro não.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Olhou-me para suprir suas carências.
Tocou-me como se não soubesse onde tocava.
Usou-me como uma panela velha.
Comeu-me esganado sem pensar no que fazia.
Amou-me pelo prazer do gozo.
Abusou-me para sentir-se melhor.
Em meu corpo, fugiu de si.

domingo, 14 de março de 2010

Apartamento 42.

Abriu a bolsa que já estava aberta. Pegou a chave avermelhada, olhou para a porta trancada. Havia uma mandala ali que tentava inutilmente equilibrar as energias. Inspirou profundamente, o peso que estava
carregando no peito estes dias não a abandonava de jeito nenhum, expirou. Em pouco tempo, o fardo iria ser abandonado, o destino das coisas perdidas se encarregaria dele. Olhou para o corredor deserto, onde separavam-se os apartamentos 41 e 42, duas casas bem distintas. Aprimeira era de uma senhora muito idosa e de sua filha, que de tanto se preocupar com a mãe acabou deixando o rancor tomar conta da sua face. Até que um dia ela faleceu, a porta do 41 ficou aberta a noite inteira aquele dia, o sentimento de pena impregnou no ar e a mulher amargurada deixou suavizar a sua face. No outro apartamento, o 42, desfrutavam da liberdade três garotas. Uniram-se para montar uma república, onde viveriam enquanto faziam a graduação. Eram jovens,
imaturas, inconseqüentes e independentes de certa forma.

Ela olhava diretamente para o número gravado na porta. O quarto andar, de repente, estava tão distante dela, aquela vida não mais a pertencia. Girou a chave e a porta se abriu. Deserta, as moradoras temporárias não se faziam presentes. O sofá que não combinava em nada com o sofá cama, os tacos riscados no chão, a brancura reluzindo por todo o local, a sala havia sido recentemente pintada e a janela gigantesca sem nenhuma cortina demonstrava o desleixo com o local. Não havia sequer uma televisão comunitária ali, somente a estante que
ganhara um novo papel: depósito de cartas. A mesa já estava sem toalha e tudo indicava solidão ao imóvel.

Pegou as cartas que chegavam em seu nome, olhou os remetentes. Banco, propaganda, propaganda e as contas. Agora não precisava mais se preocupar com o pagamento delas. Continuou o seu caminho e entrou no
pequeno corredor, abriu uma das três portas e olhou a janela, o carpete, a escrivaninha, os armários, tudo aquilo havia sido dela por quase quatro anos. Aquele pequeno ambiente havia sido seu ponto seguro por muito tempo, ali chorou, riu, obteve as melhores noticias e, também as piores. O universo criado ali dentro era só dela, construiu seus textos, suas histórias e descobriu sua alma artista. O significado daquilo era imenso dentro de si. Deitou na cama e colocou suas mãos embaixo do travesseiro, a paz voltou. Respirava calmamente, a criança interior sentia-se bem, agora, sentia o último segundo de paz naquele apartamento.

Começou a colocar todas as roupas em uma caixa de papelão, foi esvaziando gaveta por gaveta. A caixa já estava transbordando quando a fechou, passou uma fita para colar e seguiu para a próxima. Foram livros, anotações, aparelhos, bolsas e sapatos. Tudo o que havia ali foi deslocado, os objetos iam fazer mudança e a dona deles estava um pouco impressionada com isto tudo. As prateleiras ficaram vazias, o armário gritava solidão, até mesmo o carpete lamentava que ninguém ia mais sujá-lo. A vida que restava ia embora e com o tempo aquela energia que fora tudo ali dentro, sumiria, também. Haviam cinco caixas ao todo. Não era muita coisa assim. A mudança até que seria rápida, mas ainda tinham algumas panelinhas, talheres, copo e prato. Tudo estava resolvido. Só faltava a máquina de lavar.

Aos poucos foi levando tudo para fora, não havia mais nada dela ali dentro. Coragem, uma parte dela desfalecia diante da porta com o número 42. Lembrou-se dos momentos que passara com as duas outras
moradoras, haviam sido irmãs, conselheiras, amigas e inimigas. A menina que entrara naquele apartamento era muito diferente desta que arrumava a mala e seguia seu rumo para um caminho completamente novo.
Olhou para o chão, abriu um sorriso triste com as memórias, apertou o botão do elevador e desceu.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Terminal Ana Rosa

Os pingos caiam enlouquecidamente no asfalto, a velocidade com que eles chegavam ao chão só aumentava, criando, aos poucos, um mar transparente e turbulento. Os trovões grunhiam ao fundo ecoando por todos os sentidos. E os raios iluminavam mais ainda o dia com doses de desespero.

Pessoas correndo, carros desesperados, ônibus tentando cumprir a sua obrigação com o transporte público e a ambulância cortando apressadamente o caminho das gotas d água que insistiam em cair.

A sinfonia não tinha fim, os violinos da metrópole espalhavam o caos ensurdecedor, os tambores auxiliavam criando o medo. Mas o coro ao fundo, era como uma droga intoxicante, que não abandonava a música nunca.

O cigarro espalhava a tensão por toda a atmosfera. Estavam todos preocupados, quando é que ela ia acabar? Não se sentia mais o suor de todos no ar. Ficara somente o frescor dos dias de verão, numa cidade tão grande que não pára para sentir a chuva.

Aprisionadas, as pessoas se sentavam no banco de concreto e aguardavam. Observavam homens e mulheres passarem com diferentes tipos de sombrinhas. Todos corriam de um lado ao outro do terminal. Por quanto tempo será que ficariam ali até a chuva passar?

Eram escravos do tempo neste momento. Sentiam-se enfraquecidos, incapazes de fazer qualquer coisa para seguir em frente. Estavam a deriva, enquanto a finalidade da chuva não era prevista.

A impotência de todos fervilhava. Qualquer decisão acarretava em uma conseqüência desagradável. A melhor era ficar ali quieto até obter-se a garantia de que tudo havia passado. Em alguns casos, ficar parado era mais perigoso do que tomar a chuva e pegar uma gripe.

O medo dos próprios pensamentos levava algumas pessoas a saírem na chuva atropelando todos os olhares pelo caminho. Abandonado, o terminal continuava cuidando daqueles que aguardavam e meditavam. Os mendigos e pedintes.