sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Presa Humana

Eu esperei até mais tarde, quando vi que a lua já sobrepunha o dia e sai. Não queria que ninguém visse o que eu estava prestes a fazer. Abri o calabouço da casa e cuidadosamente desci as escadas. Eu estava tensa e minhas mãos apertavam-se continuamente emanando um suor frio desesperador. O ranger dos degraus não me assustava tanto assim, temia muito mais pelo o que eu ia encontrar ali embaixo, deitado no chão. Respirei pausadamente, se eu não me acalmasse não iria conseguir cumprir a minha obrigação.

Eu podia sentir o cheiro do sangue velho e já seco. Meu estômago revirava enojada com as lembranças, estava quase vomitando. Engoli a vontade de ruminar, aquilo era mais importante do que um mal estar qualquer. Raciocine, não se altere, não deixe as emoções dominar. E como se eu ligasse um botão meu momento estóico havia se iniciado.

Pisei no chão sujo, com os vestígios de uma luta sangrenta. Não estava me importando muito com os meus sapatos, em breve tudo estaria limpo e em seus devidos lugares. Meu impulso organizador me direcionou ao morto que jazia ali na penumbra. Olhei naquela face serena e me lembrei de como foi difícil arrancar os seus caninos com o alicate do meu pai.

Ele ainda estava acordado e amarrado em uma cama e se mexia loucamente. Quando viu meu sorriso aquele dia ele achava que ia ganhar mais uma noite de prazer, muito sexo e pouca conversa. Muito gozo e nenhuma cumplicidade. Mostrei a corda com uma cara safada, o amarrei a cama e ele agonizava de ansiedade. Com um simples rebolado em seu membro ele gemeu e fechou os olhos me dando abertura para amarrar um laço firmemente na boca. Os caninos ficaram a mostra.

Enfiei o instrumento na boca dele e com o alicate pressionava o dente para os lados, era complicado com ele se mexendo loucamente. Obstinada, insisti, o sangue escorrendo me dava com mais vontade de aproveitar o momento sádico. Arranquei os dois dentes que ele mais prezava sem nenhuma anestesia. Ele urrou de dor. Para meu deleite ele implorou que eu parasse, estava louco para fugir. Gargalhei e procurei outros instrumentos que me fizessem aproveitar mais ainda o momento sereno.

Encontrei um machado, a serra e chave-inglesa. Preferi os alfinetes e a faca de cozinha que quase não tinha corte. A pele dele era difícil se triturar, se a carne fosse mais macia não teria me dado tanto problema. Quando ele já estava cheio de ferimentos nos braços e pernas, avancei para a região do joelho e cortei qualquer possibilidade de ele se manter em pé novamente. A perna continuava ali, mas, um pouco inútil agora. Enrolei-o no lençol e, todo amarrado, o levei para o calabouço ainda vivo.

Isto já fazia uns três dias, decidi descer e observar o morto-vivo que antes sugava o que me era vital. O desejo sádico havia ido embora, restava à realidade o peso de um passado mórbido. Nunca devia ter me envolvido com um vampiro, nunca devia ter deixado aquilo se tornar parte da minha vida e dominar minha emoções completamente. A pessoa sempre equilibrada tinha se tornado completamente passional, amando intensamente, feito o diabo. Eu havia me entregado até finalmente abrir os olhos e ver que era fonte de alimento para a sua sobrevivência.
Mas ao olhá-lo como um resto de corpo estendido no chão. Encontrei em sua face o espelho que eu temia. O criador se encontrava na criatura. Eu poderia ser tudo, menos igual aquela coisa! Senti-me nojenta e via meu corpo igual ao dele, completamente mutilado no chão. Minhas mãos eram sujas e minhas pernas não me sustentavam mais. Olhava para o teto desesperada! Meus dentes haviam sido arrancados. Os meus dois caninos pairavam na poça ao lado do meu corpo estendido no chão, aguardava para ser enterrado.