Há pouco tempo, revelei ao meu pai que a pequena Alícia nunca sabia quando acreditar no que ele dizia. Ele me distraia pra roubar comida do meu prato e fazia chantagem para eu tomar só mais 10 colheres de uma sopa horrível. E no final era tudo mentira, porque eu sempre tomava umas 20...
Quando o telefone tocava em casa, ouvíamos ele falando com uma amiguinha minha: “Ah, é a Rafaela, aquela que come pão com mortadela?”. Se a Rafaela gostava de mortadela eu não me lembro, mas do meu pai falando com ela eu não me esqueço.
Uma vez eu, Thalles e Rodrigo, armamos o ringue
Sempre que arrumávamos um cãozinho novo para a casa, papai era o primeiro a sugerir o nome: Pintoso foi o nome que ele nunca desistiu. Mas por que Pintoso? Ele ria e apontava para o cachorro com olhar zombeteiro. O nome, graças ao bom senso, nunca foi usado.
E às vezes, ele ficava lá ao lado do radinho dele, ouvindo o Barry Manilow cantar. Se eu me juntasse a ele, ia descobrir que o Barry Manilow era judeu, papai ia me comprovar com a foto do nariz adunco dele na capa do cd. E depois de umas risadas ia me contar que a música que tocava fez sucesso em 19... e sei lá quanto e, lógico, ia lembrar da primeira vez que a ouviu.
O horário do jornal era sagrado. Tínhamos que prestar atenção e nos intervalos podíamos discutir e fazer perguntas. Aí, ele ficava sério e até soltava o chavão quando apareciam algumas reportagens: “É por isto que este país nunca vai pra frente”. Eu me divertia quando ele falava isso...
Ele faz feira todo domingo. Acorda cedo todos os dias e tem horário certo pra dormir. Mas não perde o privilégio de tirar uma sonequinha depois do almoço. Não come carne vermelha, não fuma, não bebe e critica veementemente seus filhos que ficam “bebendo estas drogas aí”. Pois é, pai, são as más companhias.
Hoje eu já não fico perdida quando falo com ele. Sei que ele é um menino zombeteiro por dentro e não sou mais tão tonta de deixar ele roubar comida do meu prato. E sei também que, às vezes, ele fala sério e me faz sempre aprender algo novo. É o homem-menino que eu admiro quando me dá conselhos e que me ensinou que a vida é cheia de sorrisos.
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