quinta-feira, 27 de maio de 2010

A encenação do ritual da paixão

O tecido fino e macio acariciava a minha mão e eu não queria mais deixar de sentir os prazeres do tato, a visão inebriada pelo brilho e o cheiro hipnotizante que seduzia me fazendo acreditar que nunca mais sairia dali. Aquele era o véu. Estava pendurado ali na minha frente, onde quer que eu fosse ele me perseguia como uma sombra, mas ao invés de ficar atrás, me acompanhando, era eu que o seguia.

Diante das delicias das ilusões, me recolhi no fantástico, no perfeito mundo real dos sonhadores. Havia espaço para somente um ali, o iludido. Eu. Os sonhos acompanhados nunca fizeram parte deste mundo com histórias encantadas. Quem poderia fantasiar os deleites da felicidade em conjunto? Nem os amantes mais apaixonados com uma conexão mental profunda poderiam se aventurar nas mesmas obras da imaginação. Esta invocação de sentimentos e imagens é individualmente prazerosa, nela eu me despejei e naveguei por projeções abstratas que, ás vezes, chegavam ao absurdo. O irreal e eu nos fundimos na fuga do meu universo.

O que alimentava a minha criatividade imaginativa era nada menos que o encantamento com a semelhança, ou melhor, com algumas coincidências infelizes que vieram a calhar em um momento de fragilidade sendo, ludicamente, transformada em catarse.

Sentia-me inserida em um rito. A passagem de uma vida sozinha para uma vida compartilhada, a introdução de um companheiro em momentos especiais. Era fascinante vivenciar esta nova etapa, estava embriagada com os meus próprios sentidos e apegada aos meus sentimentos. Tudo parecia uma realidade superior ao normal. Eu estava em um estado alterado de consciência acreditando na representação arquetípica do amor.

Buscando atender a todas as minhas vontades amorosas eu criei o pensamento mágico que explicava a minha saga heróica. A minha trajetória ao nascer, vivenciar e deixar o sentimento ir embora. Retornei ao meu estado natural por um motivo: eu não era a única que havia criado um mito.

Ele buscava sentidos para a própria existência por meio do apego. A carência e o medo o impediam de iniciar a mais dolorida das jornadas internas. Ele havia inventado uma relação, algo para escapar dos conflitos, mas a relação acabou por inventá-lo. Completamente absorto em um estado onírico, os instintos o dominam e ele afasta um dos motivos de contemplação da realidade que ainda existia.

Éramos dois frutos do acaso. Cheio de concessões e impedindo vontades próprias, se resumiram em duas pessoas sozinhas acompanhadas.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sabedoria dos Tolos

- Você acredita em destino? – perguntou o garoto, sem tirar os olhos do céu escuro e estrelado.

- Não. Acho que eu sou responsável por tudo o que realizo aqui. Não acredito que nada esteja programado. – respondeu a menina que estava ao lado dele, deitada na grama.

- Eu acredito em partes. Acho que temos o livre-arbítrio, mas o “destino” é a conseqüência das nossas ações. E talvez, quem sabe, as coisas estejam programadas. Não tem como saber, estamos tão presos à engrenagem que é impossível comprovar algo. – a confusão no que ele dizia deixava o encantamento no ar.

- Mas afinal você acredita ou não? – ele riu.

- Eu acredito quando é reconfortante acreditar. Quando meus sentimentos pedem por um significado maior às coisas. Mas quando estou sóbrio, sei que sou dono do meu próprio destino. – agora foi a vez de ela rir e deixar-se gargalhar.

- Por que você está rindo?- sem conseguir conter o riso ela o deixava agoniado.

- Agora, você acredita ou não?

- Neste momento eu acredito que não estamos os dois sozinhos, deitados na grama e olhando para o céu estrelado por nada.

- Que xaveco furado! – ela deu um tapinha no ombro dele.

- Não é isto. Eu acho que esta atmosfera reconfortante e impressionante tem um significado maior. Não é possível que os momentos que mais marcam e são carregados como uma lembrança por toda a sua vida não aconteçam por um motivo.

- Mas não tem! Eles simplesmente aconteceram e agregaram coisas a você. Pode ser que isto tudo seja mágico para você e que guarde este dia até a sua morte. Mas pra mim pode ter sido só mais uma noite.

Ela olhou para ele, sorriu e depois deitou a cabeça no ombro esquerdo dele. Assustado, ele ainda estava introspectivo de mais para abraçar esta nova situação que surgia. Com os corpos mais próximos, agora, continuaram observando na escuridão.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Em um olhar,
eu me perdi por dentro,
me encontrei de novo
e renasci como um todo.

Em um suspiro
meus olhos se reviraram,
meus passos se desviaram.
Deixei de ouvir o encanto.

Em um momento percebi,
quando me perdi,
encontrei você.
Pena que você não se encontrou.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O trajeto diário

“A grande felicidade não é durável entre os mortais.” Da tragédia de Orestes.

Estação São Judas. Sinalizou o alto-falante dentro do metro. Algumas pessoas se deslocaram para porta, outras se apoiaram no vidro e a maioria não se mexeu. Os bancos estavam vazios, havia poucas pessoas ali, o trem estava perto das ultimas estações. Entre os que não se deslocaram ao ouvir a sinalização, havia uma garota com os olhos perdidos. A menina estava sentada, ouvia uma música que ela cantava junto baixinho, mas sua atenção se focava em algo que corroia a sua percepção.

O livro em suas mãos não importava mais, sua mente estava distante. Levantou-se e foi até a porta esperando calmamente ela abrir, fechou o livro e o deixou dentro da bolsa, olhou no relógio e seguiu com a rotina. Sua caminhada seguia o ritmo descontraído que ela levava para tomar suas decisões. Com um passo de cada vez, ela virou a direita. Mais a frente se deparou com as mesmas pessoas mal-humoradas que corriam apressadas para os seus destinos diariamente. Ela se encantava com as sutilezas destes momentos, quando a rotina e ambição entravam em conflito com a felicidade.

Riu consigo mesma e atravessou a rua. Estas pessoas desesperadas, correndo todos os dias loucamente, como workaholics, desgastam uma vida inteira para chegar lá. E onde é este lá, ela se perguntava. Olhava o chão, entretida com a música, adorava esta que começara a tocar. Não fazia sentido tudo isto, esta busca pelo lá inalcançável. O status supremo e os sonhos realizados. Será que todos precisavam sofrer tanto para sentir bem com eles mesmos?
Virou à direita começou a desviar dos cocôs no meio da calçada. Este desleixo dos homens a incomodavam. Achava que algumas pessoas não sabiam o que era viver em sociedade. Não fazia sentido, nada fazia sentido. Desencantada com tudo o que observava, voltou-se inteiramente para aquilo que a tornava simplesmente humana.

Sentia o amargor em sua boca. A morte de suas expectativas ainda remoia em seus sentimentos mal resolvidos. Buscava significações para esta alegria instantânea e encontrava no grande mistério da humanidade o mais sagrado dos sentimentos, o amor. Esta alegria momentânea que usamos para nos iludir, enganar aquela criancinha interior que ainda anseia pelo peito materno para finalmente se sentir completa.

Uma busca sem sentido que nos mantém vivos e que nunca vai ser alcançada. Que seres frustrantes somos, ela pensava. A porta abriu e ela entrou no prédio, continuava o seu caminho guardando dentro de si as divagações que tanto a perturbavam. A felicidade ia continuar existindo somente no mundo utópico que criamos para nos iludir. Apertando o botão do elevador, ela saudava a ignorância que predominava a favor das emoções.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Final triste

Então é assim. Acaba tudo de repente, com ele indo pra longe de mim, afirmando e demonstrando claramente que não gosta mais de mim. O que não era para ser, nunca acontecer e se concretizar ficou só no desejo sem reciprocidade. Sem esperança de futuro, a menina é obrigada a fechar o livro interrompendo a história cheia de sonhos que ela queria se aventurar.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

A irregular disposição de amar.

Um cérebro viciado é um problema. Ele está acostumado a receber a constante inserção do mesmo ativo. A informação pode vir do menor elemento que gera a associação, como uma camisa xadrez que lembra a roupa que ele usou uma vez ou um senhor com uma rosa na lapela que te faz recordar de uma mensagem que ele escreveu. Não importa a qualidade exterior, tudo fará a recordação vingar no interior. A mente aprecia tanto do “mesmo” que faz questão de soltar as memórias constantemente, ás vezes, sem nenhum motivo, só para você caminhar com um sorriso bobo na cara.

Logo cedo, ao abrir os olhos a pessoa querida invade seus pensamentos. Os suspiros começam e você quer alimentar mais e mais este sentimento. Ao passar pelas ruas, todos se tornam um nada, são vultos ao seu redor. Na sua frente só existem os sorrisos encantadores com os olhinhos pequeninhos, quase cerrados, as sensações dos beijos e apertos, o desejo irrefreável de sentir prazer e a sede de ficar ao lado toda hora.

O corpo fica acostumado a amar, a fazer amor e ser amado. A pele anseia pelos lábios nos seios, na barriga e pelas brincadeiras com o umbigo. A língua tem sede do outro e os dentes desejam loucamente manifestar o prazer. Os pêlos. Ah! Os pêlos arrepiados, em excesso demonstrando a masculinidade, roçando a pele, arranhando o rosto e marcando território. Os corpos fatigados de tanto exercício, suados, dormem nus.

Mas, agora, é hora de sair da cama, de abandonar as vontades e quebrar com todas as expectativas. Porque todo sonho tem um despertar e este acaba quando a verdade se sobressai à ilusão. O país das maravilhas tem que terminar, as expectativas devem ser quebradas e os sonhos nunca alcançados permanecem guardados, ali mesmo, na caixinha fantástica do mundo que de um mês fez toda uma existência. Um amor de verão, um doce novembro com final feliz, onde cada um segue seu rumo separado e ficam as somente as melhores partes do que podia ser, mas não foi, do que um queria e o outro não.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Olhou-me para suprir suas carências.
Tocou-me como se não soubesse onde tocava.
Usou-me como uma panela velha.
Comeu-me esganado sem pensar no que fazia.
Amou-me pelo prazer do gozo.
Abusou-me para sentir-se melhor.
Em meu corpo, fugiu de si.