quarta-feira, 12 de maio de 2010

O trajeto diário

“A grande felicidade não é durável entre os mortais.” Da tragédia de Orestes.

Estação São Judas. Sinalizou o alto-falante dentro do metro. Algumas pessoas se deslocaram para porta, outras se apoiaram no vidro e a maioria não se mexeu. Os bancos estavam vazios, havia poucas pessoas ali, o trem estava perto das ultimas estações. Entre os que não se deslocaram ao ouvir a sinalização, havia uma garota com os olhos perdidos. A menina estava sentada, ouvia uma música que ela cantava junto baixinho, mas sua atenção se focava em algo que corroia a sua percepção.

O livro em suas mãos não importava mais, sua mente estava distante. Levantou-se e foi até a porta esperando calmamente ela abrir, fechou o livro e o deixou dentro da bolsa, olhou no relógio e seguiu com a rotina. Sua caminhada seguia o ritmo descontraído que ela levava para tomar suas decisões. Com um passo de cada vez, ela virou a direita. Mais a frente se deparou com as mesmas pessoas mal-humoradas que corriam apressadas para os seus destinos diariamente. Ela se encantava com as sutilezas destes momentos, quando a rotina e ambição entravam em conflito com a felicidade.

Riu consigo mesma e atravessou a rua. Estas pessoas desesperadas, correndo todos os dias loucamente, como workaholics, desgastam uma vida inteira para chegar lá. E onde é este lá, ela se perguntava. Olhava o chão, entretida com a música, adorava esta que começara a tocar. Não fazia sentido tudo isto, esta busca pelo lá inalcançável. O status supremo e os sonhos realizados. Será que todos precisavam sofrer tanto para sentir bem com eles mesmos?
Virou à direita começou a desviar dos cocôs no meio da calçada. Este desleixo dos homens a incomodavam. Achava que algumas pessoas não sabiam o que era viver em sociedade. Não fazia sentido, nada fazia sentido. Desencantada com tudo o que observava, voltou-se inteiramente para aquilo que a tornava simplesmente humana.

Sentia o amargor em sua boca. A morte de suas expectativas ainda remoia em seus sentimentos mal resolvidos. Buscava significações para esta alegria instantânea e encontrava no grande mistério da humanidade o mais sagrado dos sentimentos, o amor. Esta alegria momentânea que usamos para nos iludir, enganar aquela criancinha interior que ainda anseia pelo peito materno para finalmente se sentir completa.

Uma busca sem sentido que nos mantém vivos e que nunca vai ser alcançada. Que seres frustrantes somos, ela pensava. A porta abriu e ela entrou no prédio, continuava o seu caminho guardando dentro de si as divagações que tanto a perturbavam. A felicidade ia continuar existindo somente no mundo utópico que criamos para nos iludir. Apertando o botão do elevador, ela saudava a ignorância que predominava a favor das emoções.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Final triste

Então é assim. Acaba tudo de repente, com ele indo pra longe de mim, afirmando e demonstrando claramente que não gosta mais de mim. O que não era para ser, nunca acontecer e se concretizar ficou só no desejo sem reciprocidade. Sem esperança de futuro, a menina é obrigada a fechar o livro interrompendo a história cheia de sonhos que ela queria se aventurar.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

A irregular disposição de amar.

Um cérebro viciado é um problema. Ele está acostumado a receber a constante inserção do mesmo ativo. A informação pode vir do menor elemento que gera a associação, como uma camisa xadrez que lembra a roupa que ele usou uma vez ou um senhor com uma rosa na lapela que te faz recordar de uma mensagem que ele escreveu. Não importa a qualidade exterior, tudo fará a recordação vingar no interior. A mente aprecia tanto do “mesmo” que faz questão de soltar as memórias constantemente, ás vezes, sem nenhum motivo, só para você caminhar com um sorriso bobo na cara.

Logo cedo, ao abrir os olhos a pessoa querida invade seus pensamentos. Os suspiros começam e você quer alimentar mais e mais este sentimento. Ao passar pelas ruas, todos se tornam um nada, são vultos ao seu redor. Na sua frente só existem os sorrisos encantadores com os olhinhos pequeninhos, quase cerrados, as sensações dos beijos e apertos, o desejo irrefreável de sentir prazer e a sede de ficar ao lado toda hora.

O corpo fica acostumado a amar, a fazer amor e ser amado. A pele anseia pelos lábios nos seios, na barriga e pelas brincadeiras com o umbigo. A língua tem sede do outro e os dentes desejam loucamente manifestar o prazer. Os pêlos. Ah! Os pêlos arrepiados, em excesso demonstrando a masculinidade, roçando a pele, arranhando o rosto e marcando território. Os corpos fatigados de tanto exercício, suados, dormem nus.

Mas, agora, é hora de sair da cama, de abandonar as vontades e quebrar com todas as expectativas. Porque todo sonho tem um despertar e este acaba quando a verdade se sobressai à ilusão. O país das maravilhas tem que terminar, as expectativas devem ser quebradas e os sonhos nunca alcançados permanecem guardados, ali mesmo, na caixinha fantástica do mundo que de um mês fez toda uma existência. Um amor de verão, um doce novembro com final feliz, onde cada um segue seu rumo separado e ficam as somente as melhores partes do que podia ser, mas não foi, do que um queria e o outro não.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Olhou-me para suprir suas carências.
Tocou-me como se não soubesse onde tocava.
Usou-me como uma panela velha.
Comeu-me esganado sem pensar no que fazia.
Amou-me pelo prazer do gozo.
Abusou-me para sentir-se melhor.
Em meu corpo, fugiu de si.

domingo, 14 de março de 2010

Apartamento 42.

Abriu a bolsa que já estava aberta. Pegou a chave avermelhada, olhou para a porta trancada. Havia uma mandala ali que tentava inutilmente equilibrar as energias. Inspirou profundamente, o peso que estava
carregando no peito estes dias não a abandonava de jeito nenhum, expirou. Em pouco tempo, o fardo iria ser abandonado, o destino das coisas perdidas se encarregaria dele. Olhou para o corredor deserto, onde separavam-se os apartamentos 41 e 42, duas casas bem distintas. Aprimeira era de uma senhora muito idosa e de sua filha, que de tanto se preocupar com a mãe acabou deixando o rancor tomar conta da sua face. Até que um dia ela faleceu, a porta do 41 ficou aberta a noite inteira aquele dia, o sentimento de pena impregnou no ar e a mulher amargurada deixou suavizar a sua face. No outro apartamento, o 42, desfrutavam da liberdade três garotas. Uniram-se para montar uma república, onde viveriam enquanto faziam a graduação. Eram jovens,
imaturas, inconseqüentes e independentes de certa forma.

Ela olhava diretamente para o número gravado na porta. O quarto andar, de repente, estava tão distante dela, aquela vida não mais a pertencia. Girou a chave e a porta se abriu. Deserta, as moradoras temporárias não se faziam presentes. O sofá que não combinava em nada com o sofá cama, os tacos riscados no chão, a brancura reluzindo por todo o local, a sala havia sido recentemente pintada e a janela gigantesca sem nenhuma cortina demonstrava o desleixo com o local. Não havia sequer uma televisão comunitária ali, somente a estante que
ganhara um novo papel: depósito de cartas. A mesa já estava sem toalha e tudo indicava solidão ao imóvel.

Pegou as cartas que chegavam em seu nome, olhou os remetentes. Banco, propaganda, propaganda e as contas. Agora não precisava mais se preocupar com o pagamento delas. Continuou o seu caminho e entrou no
pequeno corredor, abriu uma das três portas e olhou a janela, o carpete, a escrivaninha, os armários, tudo aquilo havia sido dela por quase quatro anos. Aquele pequeno ambiente havia sido seu ponto seguro por muito tempo, ali chorou, riu, obteve as melhores noticias e, também as piores. O universo criado ali dentro era só dela, construiu seus textos, suas histórias e descobriu sua alma artista. O significado daquilo era imenso dentro de si. Deitou na cama e colocou suas mãos embaixo do travesseiro, a paz voltou. Respirava calmamente, a criança interior sentia-se bem, agora, sentia o último segundo de paz naquele apartamento.

Começou a colocar todas as roupas em uma caixa de papelão, foi esvaziando gaveta por gaveta. A caixa já estava transbordando quando a fechou, passou uma fita para colar e seguiu para a próxima. Foram livros, anotações, aparelhos, bolsas e sapatos. Tudo o que havia ali foi deslocado, os objetos iam fazer mudança e a dona deles estava um pouco impressionada com isto tudo. As prateleiras ficaram vazias, o armário gritava solidão, até mesmo o carpete lamentava que ninguém ia mais sujá-lo. A vida que restava ia embora e com o tempo aquela energia que fora tudo ali dentro, sumiria, também. Haviam cinco caixas ao todo. Não era muita coisa assim. A mudança até que seria rápida, mas ainda tinham algumas panelinhas, talheres, copo e prato. Tudo estava resolvido. Só faltava a máquina de lavar.

Aos poucos foi levando tudo para fora, não havia mais nada dela ali dentro. Coragem, uma parte dela desfalecia diante da porta com o número 42. Lembrou-se dos momentos que passara com as duas outras
moradoras, haviam sido irmãs, conselheiras, amigas e inimigas. A menina que entrara naquele apartamento era muito diferente desta que arrumava a mala e seguia seu rumo para um caminho completamente novo.
Olhou para o chão, abriu um sorriso triste com as memórias, apertou o botão do elevador e desceu.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Terminal Ana Rosa

Os pingos caiam enlouquecidamente no asfalto, a velocidade com que eles chegavam ao chão só aumentava, criando, aos poucos, um mar transparente e turbulento. Os trovões grunhiam ao fundo ecoando por todos os sentidos. E os raios iluminavam mais ainda o dia com doses de desespero.

Pessoas correndo, carros desesperados, ônibus tentando cumprir a sua obrigação com o transporte público e a ambulância cortando apressadamente o caminho das gotas d água que insistiam em cair.

A sinfonia não tinha fim, os violinos da metrópole espalhavam o caos ensurdecedor, os tambores auxiliavam criando o medo. Mas o coro ao fundo, era como uma droga intoxicante, que não abandonava a música nunca.

O cigarro espalhava a tensão por toda a atmosfera. Estavam todos preocupados, quando é que ela ia acabar? Não se sentia mais o suor de todos no ar. Ficara somente o frescor dos dias de verão, numa cidade tão grande que não pára para sentir a chuva.

Aprisionadas, as pessoas se sentavam no banco de concreto e aguardavam. Observavam homens e mulheres passarem com diferentes tipos de sombrinhas. Todos corriam de um lado ao outro do terminal. Por quanto tempo será que ficariam ali até a chuva passar?

Eram escravos do tempo neste momento. Sentiam-se enfraquecidos, incapazes de fazer qualquer coisa para seguir em frente. Estavam a deriva, enquanto a finalidade da chuva não era prevista.

A impotência de todos fervilhava. Qualquer decisão acarretava em uma conseqüência desagradável. A melhor era ficar ali quieto até obter-se a garantia de que tudo havia passado. Em alguns casos, ficar parado era mais perigoso do que tomar a chuva e pegar uma gripe.

O medo dos próprios pensamentos levava algumas pessoas a saírem na chuva atropelando todos os olhares pelo caminho. Abandonado, o terminal continuava cuidando daqueles que aguardavam e meditavam. Os mendigos e pedintes.

sábado, 28 de novembro de 2009

O travesseiro estava tão fofinho, tão gostoso. Ela não conseguia tirar a cabeça dele, sentia-se exausta e não queria sair dali de jeito nenhum. O mundo dos sonhos havia a consumido por completo, ela observava-se subindo, subindo, subindo em busca do inatingível. Seu braço estava tão próximo de todo aquele prestígio, o troféu que iria carregar.

Seria capaz de afastar tudo o que era necessário, via somente o objetivo. Queria ver-se linda, maravilhosa, com um espelho cheio de flores e bajulações. Estava cometendo um enorme pecado e nem ao menos conseguia olhar dentro de si mesma.

Era uma escolha. Havia decidido por aquilo que a fizera ter brilho nos olhos, o desejo de ver do palco a platéia aplaudindo de pé. Mas esquecera de alguns detalhes no meio do caminho. Perdeu seus princípios em um passo em falso. Completamente cega caminhava lentamente para a sua cruz, sem nem ao menos perceber. Seu lema era se enganar constantemente com atitudes racionais, grande engano.

Era muito mais emocional do que imaginava, sentia a culpa, o amor, o remorso e principalmente o arrependimento. Foi neste instante que se percebeu completamente humana, suas atitudes de deusa acabavam por aqui. Ela tinha compromisso com quem cativava e estava pagando muito caro por ter faltado com isto.

Tudo isto porque o troféu havia sido estilhaçado no chão. Agora ele não valia mais nada, eram somente cacos espalhados por todos os lados. Foi preciso se cortar em diversas partes do corpo e sentir o sangue escorrer pela sua pele, para perceber que tudo aquilo era uma ilusão.

Notou que na verdade os problemas que a feriam eram porque ela não fazia parte daquele mundo, o seu jeito não encaixava ali. Estava buscando ser algo que não era. Ainda tinha toda aquela essência dentro de si. Por isto, diante de tudo, notou que estava sozinha.