terça-feira, 17 de agosto de 2010

O esqueleto exposto

Estou farta! Cansei das intriguinhas mal resolvidas e das necessidades que cada um tem de se achar superior. Esgotou-me as discussões desnecessárias e as angústias mal resolvidas. Meu interior não tolera mais o transbordamento irracional e passional alheio erroneamente em minha direção. Basta, eu grito com todas as letras. Nestas horas, gostaria de cuspir as doloridas verdades que eu me fecho e não falo para não magoar. A língua ferina, muito bem controlada está cheia de marcas dos meus dentes, que afiados e certeiros, me impedem de causar estragos. Queria dar um tapa no rosto de cada um que decide descontar os medos e frustrações, adquiridos com os passos errados na vida, nos outros. Na boa, meu querido, se enfrenta no espelho antes de erguer o dedo na cara de alguém.

Estes tipinhos que sentem-se ameaçados e abastecidos pelo medo pisam em cima e tratam com enorme desprezo. Não importa o quanto você queira aniquilar aquela ameaça, meu bem, uma vez instalada, o medo permanecerá, caso não enfrente dentro de si. Angustia-me também, o “bom-mocismo”. Ó, os bons camaradas regidos por um bom coração fraterno. Que meigo, meninos e meninas adoráveis na sua infantilidade carregada de sonhos imaturos. O bom-mocismo, meus caros não é nada menos do que a ingênua ignorância do “preciso ser uma boa menina”, não posso dizer palavrões, preciso ser meiga, cordial, demonstrar que eu aceito as situações, ser praticamente uma princesinha bibelô Disney. E os bons-rapazes serão aqueles que em seu mundo de boas intenções, buscam aparecer no cavalo branco e proteger a boa menina deste mundo cruel.

Esta palhaçada toda é lastimável. A boa-menina perde-se em pânicos e medos de viver naturalmente e o bom-menino torna-se um exemplo digno do homem patriarcal e não aceita nenhuma mulher que ele considere igual ou superior a ele, em inteligência, emprego, maturidade, em qualquer argumento que ele valorize e gere um conflito. Afinal, ele é o apoio, a sustentação, o que diabos ele seria se não for isto para a mulher dele?

O bom-mocismo como qualquer outra boa intenção das frágeis figuras humanas é só mais uma representação das nossas fraquezas e incapacidade de aceitar a nossa verdadeira face. Ficamos com tanto medo da caveira interior que jogamos acima da pele as mais espessas camadas de base, algumas vezes fazemos até plásticas para desentortar o nariz da bruxa, mas é impossível esquecer que embaixo da pele a caveira ainda permanece.

A necessidade de ser importante para alguém e ter a certeza que uma pessoa precisa de você, é a regência do bom-rapaz. Este cara, na verdade é um coitado. Está tentando suprir o seu medo da solidão no heroísmo, quer sentir-se valorizado por alguém. Não aceita a idéia de ter ao lado uma mulher madura como ele, porque sente que não pode controlar isto. Nesta fuga, do medo da solidão, ele cavalga lindamente rumo aos mais solitários dos relacionamentos: o hierarquizado, no qual ele soberano fica acima e ela fragilmente aceita a segurança em que ele a acolhe. E é no topo, sem companhia nenhuma que ele se encontra novamente diante do pavor.

Aquela mulher que sente que não basta o acolhimento e a segurança, que quer ser igual a ele e desfrutar do mesmo patamar, dando mais companheirismo aos dois e mais liberdade de ser quem são verdadeiramente, é geralmente rejeitada. Os cavaleiros a admiram, mas não a querem. Alguns a chamam de mulher fálica e eu com todas as letras afirmo, que igualdade entre os sexos não tem nada a ver com inveja de um órgão sexual. Boa parte das mulheres está muito feliz com sua vagina e ADORA (em caps lock) os prazeres que ela oferece.

No fundo, sinceramente acho que “de boa intenção o inferno está cheio” e que se fossemos emocionalmente auto-suficientes não íamos ficar perdendo tempo com relacionamentos amorosos, demonstrações de solidariedade e boas ações fraternais. Eu seria mais eu e ponto.

sábado, 14 de agosto de 2010

A separação

O jantar acabou. A mãe se levanta para assistir TV e deixa tudo ali na mesa para os outros cuidarem. O marido paciente recolhe as migalhas espalhadas na toalha da mesa e do prato sujo que ela nunca coloca na pia. Os filhos observam calados e vagarosamente contribuem com a organização rotineira da casa. A louça acumulada e enfileirada espera a chegada da empregada que aparece só no dia seguinte.

A mãe se distrai com mais um seriado fútil no sofá. A mocinha do programa luta pelos seus ideais, reconhecimento profissional e uma família que a valorize muito. Ela dá altas risadas com as cenas mais clichês e se sente inteligente por saber o que vai acontecer no final do capitulo. Nada mais do que o óbvio.

Os filhos passam pela sala, chegam com a intenção de contar as novidades e ela pede espaço. Este é o episódio em que a mocinha vai dar o primeiro beijo no mocinho, ela aguardou a semana inteira, não está interessada em ouvir nada de ninguém agora.

Enquanto isto, o pai arruma o mamão, maçã, a faquinha e até um pãozinho para ele comer na manhã seguinte. Conversa um pouco com o menino, que conta suas descobertas adolescentes e ouve um pouco as dificuldades da garota. Ele conta piadas, dá dicas e compreende as mais obtusas situações. Seus filhos o admiram.

Antes de ir dormir ele pergunta à esposa o que ela deseja que ele compre na feira, no dia seguinte. Ela pede algumas frutas que ela gosta: caju e mexericas. Ele vai para cama e lê um pouco, gosta de biografias, aprende com exemplos vividos e se espelha neles. Todos grandes empresários, que conquistaram o sucesso com muita dedicação e ousadia. Ele fecha o livro bebe da água que deixa ao lado da cama e apaga a luz.

Além das frutas, a mãe gosta de chocolates, e o pai sempre compra alguns para agradá-la. Docemente o marido oferece a ela aquela novidade que ele encontrou no mercado. Ela rejeita e ainda pergunta: “Mas você não sabe que eu não gosto de crocante?”. O filho, ouvindo a reação, se interessa e pega o doce. Os dois então começam a contar piadinhas e rir da situação.

Mas um dia, após voltar do supermercado, sem os filhos em casa, já que os dois cresceram e foram fazer faculdade fora, ele se encontra cansado desta rotina. Quer cuidar dele mesmo, ter o dinheiro só para ele. O impulso que ficou guardado durante anos finalmente acorda e ele percebe que não há família, amor, mulher e filhos que possam compensar suas carências.