sábado, 14 de agosto de 2010

A separação

O jantar acabou. A mãe se levanta para assistir TV e deixa tudo ali na mesa para os outros cuidarem. O marido paciente recolhe as migalhas espalhadas na toalha da mesa e do prato sujo que ela nunca coloca na pia. Os filhos observam calados e vagarosamente contribuem com a organização rotineira da casa. A louça acumulada e enfileirada espera a chegada da empregada que aparece só no dia seguinte.

A mãe se distrai com mais um seriado fútil no sofá. A mocinha do programa luta pelos seus ideais, reconhecimento profissional e uma família que a valorize muito. Ela dá altas risadas com as cenas mais clichês e se sente inteligente por saber o que vai acontecer no final do capitulo. Nada mais do que o óbvio.

Os filhos passam pela sala, chegam com a intenção de contar as novidades e ela pede espaço. Este é o episódio em que a mocinha vai dar o primeiro beijo no mocinho, ela aguardou a semana inteira, não está interessada em ouvir nada de ninguém agora.

Enquanto isto, o pai arruma o mamão, maçã, a faquinha e até um pãozinho para ele comer na manhã seguinte. Conversa um pouco com o menino, que conta suas descobertas adolescentes e ouve um pouco as dificuldades da garota. Ele conta piadas, dá dicas e compreende as mais obtusas situações. Seus filhos o admiram.

Antes de ir dormir ele pergunta à esposa o que ela deseja que ele compre na feira, no dia seguinte. Ela pede algumas frutas que ela gosta: caju e mexericas. Ele vai para cama e lê um pouco, gosta de biografias, aprende com exemplos vividos e se espelha neles. Todos grandes empresários, que conquistaram o sucesso com muita dedicação e ousadia. Ele fecha o livro bebe da água que deixa ao lado da cama e apaga a luz.

Além das frutas, a mãe gosta de chocolates, e o pai sempre compra alguns para agradá-la. Docemente o marido oferece a ela aquela novidade que ele encontrou no mercado. Ela rejeita e ainda pergunta: “Mas você não sabe que eu não gosto de crocante?”. O filho, ouvindo a reação, se interessa e pega o doce. Os dois então começam a contar piadinhas e rir da situação.

Mas um dia, após voltar do supermercado, sem os filhos em casa, já que os dois cresceram e foram fazer faculdade fora, ele se encontra cansado desta rotina. Quer cuidar dele mesmo, ter o dinheiro só para ele. O impulso que ficou guardado durante anos finalmente acorda e ele percebe que não há família, amor, mulher e filhos que possam compensar suas carências.

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