terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A constância.

Se partirmos da premissa de que para obter-se o mínimo de ordem em uma casa deve-se estabelecer regras, entendemos o motivo pelo qual uma moradia com somente três adolescentes ser tão caótica. Como afirma a física termodinâmica, "Todo sistema natural, quando deixado livre, evolui para um estado de máxima desordem, correspondente a uma entropia máxima." Era exatamente este o nosso caso: caminhávamos rumo à máxima desordem.

Quando os pais assinaram o contrato, tudo ficou bem evidente para as meninas, iríamos morar juntas! Considerando que éramos provenientes de lares com hábitos completamente diferentes, nos deparamos com um sério problema: a liberdade desorientada. A anarquia foi estabelecida como sistema social, ninguém mandava, mas também ninguém era culpado. Funciona muito bem quando não existe nenhum problema.

O nosso primeiro caso de estudo foi a pia da cozinha. Um contato direto com os outros seres estranhos da casa por meio do acumulo continuo de louça. A princípio, criou-se certas regras, como “este lado é meu, o resto vocês que se virem”. Mas com o tempo, caminhamos à desordem e ninguém mais sabia onde terminava a louça de quem.

Em seguida, a pia resolveu se revoltar. Considerando que o apartamento estava velho e a pia exausta, descobrimos que ela havia criado uma habilidade “sobrepia”: o metal que a formava suava e tínhamos uma goteira abstrata. Depois de alguns meses, retirando bacias cheias debaixo da revoltada, decidimos consertar a situação e colocar o mínimo de ordem naquele lugar.

Porém, o absurdo não terminava ai. Havia também, a privada que cantava, a porta do banheiro que não fechava, a maquina de lavar roupas que enguiçava e o fogão com uma chama que exigia uma paciência de Jó. Era o tipo de casa que qualquer um adoraria viver.

Como não existiam regras, o sistema criou uma para nós. Era um ode a Entropia, com direito a coros em grego para todos ouvirem. A grandeza que mede o grau de desordem de um sistema estava nos nocauteando. Éramos resistentes residentes do caos. Aos poucos conseguimos enfraquecer a incansável vilã. A casa passou a ter certa ordem. Não exatamente em cima da pia da cozinha, mas o suficiente para harmonizar o lar.

O mais estranho no conceito da Entropia é que o equilíbrio universal é classificado como caos. Quando dizem que tudo segue rumo ao caos é porque, entropicamente falando, o universo tente a se equilibrar. E este conceito atingia não somente a parte física da casa, como também as três garotas psicologicamente.

Três figuras completamente diferentes, de repente estavam falando a mesma língua, descobrindo-se uma nas outras e criando um jeito simples e único que juntava um pouquinho de cada uma. Existia alguma coisa que entrelaçava uma idéia na outra, e quando chegava o final de semana, o que você mais queria era se divertir com quem você já se comunica por olhares.

Diferente de irmãos, não crescemos juntas, amadurecemos juntas. Quando o universo gritou “Chegou à hora de colocar um pouco de vergonha nesta sua cara, queridinha” existiam pessoas completamente estranhas morando na sua casa, o que tornava tudo mais complicado. A obrigação falava mais alto e quem era forte resistia a qualquer tentação de ter a mordomia de antes.

A anarquia foi destituída como sistema social. Ninguém mais estava feliz com esta liberdade, exigíamos um avanço neste universo. Foi proclamado um líder para apaziguar qualquer tipo de desentendimento, ele compreendia qualquer parte, para ele ninguém estava certo e todos também estavam certos.

Só fomos tomar conhecimento dele quando uma das integrantes precisava de ajuda. Havia algo além da solidariedade que as fazia deslocar-se para o hospital mais próximo, ou então preocuparem-se quando alguém soltava um berro inesperado na casa. Acima de qualquer momento insano das baladas fora criado um laço que ficou carimbado na formação de nossas identidades.

Era como ser parte de um corpo real, tudo junto, mesmo não sendo um só membro. Havíamos atingido um nível de consentimento que não era nem mais necessário manifestações sempre teríamos a certeza de quando uma riria.